CARTAS DE SÃO GERALDO

 
CADERNOS REDENTORISTAS - 19 -
CARTAS E OUTROS ESCRITOS DE SÃO GERALDO
Introdução de Sabatino Majorano (Província Napolitana), com versão do texto espanhol por Júlio J. Brustoloni (Província de S. Paulo). Texto das cartas com versão de João Michelloto (Província do Rio de Janeiro)

CERESP

Centro Redentorista de Espiritualidade

Aparecida

EDITORA SANTUÁRIO

Aparecida-SP

2004

 
I. INTRODUÇÃO
Quem ama de verdade procura conhecer melhor a pessoa amada. Não por curiosidade, mas pelo sincero desejo de crescer na comunhão de pessoas e de caminhar juntos. Ninguém pode fugir desta lei do amor, nem mesmo os santos. Quem os ama, quem os sente vizinhos, quem se inspira neles, nos seus atos de cada dia, sente o forte desejo de penetrar melhor na sua personalidade, e em sua vida, a fim
de conhecer mais profundamente a verdade: o mistério de sua espiritualidade.
A reconstrução fiel dos acontecimentos, realizada pelos biógrafos, abre o caminho para esta verdade. Mas, freqüentemente, ela permanece escondida sob a multidão de fatos e de situações que se devem estudar, personagens que se devem precisar, e de interpretações, muitas vezes, contraditórias, que se devem esclarecer. A análise atenta de todos estes fatores é indispensável; entretanto, é preciso ir mais além: procurar chegar ao segredo que os santos levavam dentro de si.
Surge então o desejo da leitura direta de suas notas pessoais, diários e cartas. Nelas, os santos se expressaram com a maior precisão e espontaneidade: manifestaram de alguma maneira "sua verdade". Tê-los em mãos, é como aproximar-se de uma janela aberta para o segredo de sua vida.
Em São Geraldo, lembramos a presença abundante e forte da graça; ficamos impressionados com sua intensa luminosidade, manifestada na total entrega a Cristo, e na alegre e jubilosa disponibilidade em favor dos irmãos; percebemos a verdade profunda dos fatos prodigiosos transmitidos pela memória popular. E por isso ficamos com um grande desejo de conhecê-lo mais e melhor.
Os 29 anos de sua breve vida terrena (Muro Lucano, 6 de abril de 1726 a Materdomini, 16 de outubro de 1755), as poucas fontes documentais, o fato pelo qual o povo prontamente se apropriou de sua vida, sublinhando aspectos e gestos mais condizentes com sua própria sensibilidade, justificam tal desejo.
Lamentavelmente, não é muito o que nos chegou sobre São Geraldo. Ele foi um humilde religioso leigo, preocupado totalmente com as mil urgências concretas do Evangelho da caridade para com as pessoas pobres. Seus escritos não foram numerosos e, pior, por ele não ser uma grande
personalidade, parte deles se perdeu. Tudo isto faz com que aqueles que desejam conhecê-lo mais a fundo, julguem particularmente preciosos os poucos escritos seus que possuímos: cerca de quarenta cartas e um regulamento de vida. Junto com os depoimentos daqueles que mais o conheceram de perto, recolhidos imediatamente após sua morte pelo redentorista Gaspar Caione,1 estes escritos constituem um caminho obrigatório para se chegar mais facilmente à verdade sobre São Geraldo Majela.
Não se trata de opor este conhecimento àquele que o povo tem desenvolvido nestes dois séculos. Devemos dizer logo que o verdadeiro livro sobre Geraldo é tudo o que a memória popular tem transmitido. Esta memória, além disso, foi a protagonista fundamental no processo que levou o humilde irmão redentorista aos altares.2 Trata-se aqui, antes de estabelecer uma relação que nos leve a integrar, corrigir e desenvolver a verdade.
Esta é a motivação e a finalidade desta edição dos escritos espirituais de São Geraldo Majela.3 Quer estabelecer

NOTAS

1) Gaspar Caione (1722-1809) conviveu com Geraldo. Foi superior da comunidade de Materdomini. Seus apontamentos biográficos sobre São Geraldo, recolhidos imediatamente após sua morte por mandado de Santo Afonso, nos foram transmitidos em duas versões: a primeira mais sintética e imediata; a segunda, mais ampla e trabalhada. Ambas foram publicadas por N. Ferrante, A Sampers e J. Löw in Spicilegium Historicum C.Ss.R. (citado daqui para frente com a sigla SH), 8 (1960), 187 - 209; 217 - 297. Uma edição mais recente em G. Caione, Gerardo Maiella, appunti biografici di uno contemporaneo, a cura de S. Majorano, Napoli, 1988.
2) Cfr. Murana seu Compsana Beatificationis et Cononizationis Ven. Servi Dei Fr. Gerardi Maiella laici professi Congregationis SS. Redemptoris, Summarium, Roma, 1871.
3) Os escritos de São Geraldo foram amplamente utilizados por todos os seus biógrafos. A primeira edição dos escritos foi realizada por O. Gregório, Lettere e Scritti di S. Gerardo Maiella, Materdomini 1949. A mais completa e crítica é a de D. Capone/S. Majorano, Le Lettere di S. Gerardo Maiella,
um contato mais direto e imediato com as fontes, para poder captar algo de sua "verdade". Se é certo que o "segredo" de Geraldo não pode ser descoberto somente com a leitura dos documentos, é também verdade que não podemos prescindir deles, quando queremos entendê-lo.
***
Nas páginas seguintes, apresentaremos a tradução de todos os textos que se conservam de São Geraldo. No texto italiano, são freqüentes as expressões em dialeto, a escrita das palavras tal como se pronunciam, o uso incorreto dos artigos e das preposições, as abreviaturas e a passagem brusca do tu para o você e vós. Nesta versão portuguesa, conservamos, em geral, a terceira pessoa e procuramos oferecer um texto claro e compreensível.
1. As cartas
Gaspar Caione nos lembra que, durante os anos transcorridos em Deliceto, logo ao entrar na Congregação, Geraldo "nunca descansou, mas estendia os efeitos de sua caridade também às pessoas de fora. Respondia continuamente cartas de almas atribuladas e tentadas, que lhe pediam conselhos, e estes eram maravilhosos e cheios de especial unção e impregnados de uma doutrina, aprendida unicamente na escola da oração. Não se podem ler suas cartas, sem se maravilhar delas, sabendo especialmente que Geraldo era um pobre irmão leigo que apenas sabia ler e escrever, e nada mais".4
Napoli, 1980. A mais recente: Gerardo Maiella, Scritti spirituali, a cura di S. Majorano, Materdomini 1992, 160 pp.
NOTA
4) Caione 73.
Não se trata de afirmações apressadas ou ditadas pelo entusiasmo fraterno. Caione conviveu de perto com Geraldo e pôde conhecê-lo bem, sendo, além disso, seu superior. Caione era um homem de cultura e dotado de um grande sentido crítico. Santo Afonso tinha plena confiança nele, recorria a ele em momentos particularmente difíceis. Ao recolher a documentação sobre Geraldo, demonstra uma notável atenção e preocupação com a verdade.
Concordam com ele, sobre a importância da correspondência de Geraldo, o outro biógrafo contemporâneo, Antonio Tannoia,5 e os depoimentos recolhidos para o processo de sua beatificação. Estas mesmas fontes também reconhecem que muitas cartas de Geraldo se perderam. Atualmente conhecemos, além de algum outro pequeno fragmento. Possuímos os originais somente de dezenove; as outras nos foram transmitidas por Caione e por Tannoia ou pelas atas do processo de beatificação. A autenticidade destas fontes aparece, sem sombra de dúvida, ao se comparar as transcrições com os originais que têm chegado até nós.
Os autores das transcrições têm, entretanto, uma certa preocupação para melhorar o estilo e a linguagem de São Geraldo. Isto se nota de maneira mais evidente e marcante, em Tannoia e, menos, no processo de beatificação. Caione, por sua vez, se coloca, por assim dizer, a meio caminho entre os dois.
1.1 - Os destinatários
Os destinatários das cartas de São Geraldo são bastante conhecidos: alguns confrades redentoristas, algumas religiosas carmelitas, Maria Celeste Crostarosa, um
NOTA
5) A. Tannóia, Vita del servo di Dio Fr. Gerardo Maiella laico della Congregazione del Ss. Redentore, Napoli, 1824.
sacerdote, e leigos que lhe dedicavam particular amizade. Somente em 5 cartas não é possível determinar com precisão a quem foram endereçadas, mas se deduz que 3 delas foram dirigidas a religiosas e 2 a leigos. A data de muitas delas é mais aproximada, uma vez que Geraldo não as datou.
Entre todas, o maior número delas foi dirigido às religiosas do mosteiro carmelita de Ripacandida: 16 à Madre Maria de Jesus, superiora até 1753; 7 à Madre Micaela de São Francisco Xavier, que lhe sucedeu no cargo; 5 a outras duas irmãs (Batista da Santíssima Trindade e Maria Celeste do Espírito Santo).
"O lugar preferido de Geraldo, assim se expressa Caione, era o mosteiro das carmelitas teresianas de Ripacandida, e suas almas favoritas eram, desde o começo, aquelas religiosas tão exemplares com as quais tinha uma amizade muito especial. E nunca passava semana na qual Geraldo não lhes escrevesse alguma mensagem espiritual ou não a recebesse delas, estimulando e afervorando-se reciprocamente no amor de Deus e na conquista de santidade mais heróica".6
De fundação recente, o mosteiro vivia em pleno fervor. É significativa a afirmação de Tannoia, de 5 de abril de 1750, quando Santo Afonso se dirigiu a Ripacandida:
"Moderou a austeridade voluntária e excessiva que, com prejuízo do corpo, elas praticavam. Pediu que usassem de menos rigor, especialmente na alimentação, levando-as a tomar algum descanso corporal e espiritual. Admirando a santidade daquele lugar, dizia: 'Jamais acreditaria encontrar um cravo como este, encravado neste penhasco'".7
O encontro com aquelas religiosas, sobretudo com a Madre Maria de Jesus, foi de grande importância. Geraldo
NOTAS
6) Caione 73-74.
7) A. Tannóia, Della vita ed istituto del Ven. Servo di Dio Alfonso de Liguori, I, Napoli 1798, 222.
fará com ela um compromisso particular de comunhões e oração, que, em suas cartas, chamará de "santa fé".
"Neste mosteiro, recorda novamente Caione, enquanto Geraldo estava conversando com a Madre Maria de Jesus e, discorrendo especialmente sobre o assunto espiritual como Deus merece ser amado e sua divina bondade adorada, transportado por um santo entusiasmo, deu alguns murros nas grossas pontas de ferro que saem das grades, com tal força e violência que chegou a entortá-las como se fossem de cera mole. E até agora vêem-se os ferros um tanto retorcidos e diferentes dos outros".8
Entre 1751 e 1753, o mosteiro de Ripacandida viveu um momento delicado. Considerando o ambiente de muita austeridade, já percebido em 1750 por Santo Afonso, o Sr. Bispo Dom Teodoro Basta interveio, procurando introduzir uma mitigação às regras carmelitanas. Diante disso, as irmãs, à frente das quais estava a Madre Maria de Jesus, se opuseram tenazmente. Então o Sr. Bispo assumiu diretamente a orientação do mosteiro, deu plenos poderes a um padre carmelita, vindo de Nápoles, e proibiu todo tipo de contato epistolar com estranhos. A Madre Maria de Jesus foi declarada visionária. A tempestade durou até o ano de 1753. É preciso não esquecer este estado de coisa, se quisermos entender adequadamente o conteúdo da correspondência que Geraldo dirige àquele mosteiro.9
As cartas dirigidas a confrades redentoristas somam um total de 7. Duas foram escritas para agradecer a profissão dos votos religiosos, em julho de 1752: uma a Santo Afonso, e outra a João Mazzini, consultor geral. As cartas a Francisco Margotta, Francisco Garzilli e Gaspar Caione são muito diferentes entre si. Ao primeiro, Geraldo escreve pedindo uma
NOTAS
8) Caione 76-77.
9) Domingos Capone, na sua ampla introdução à leitura da correspondência de São Geraldo, reconstrói passo a passo os acontecimentos. Cf. Capone-Majorano, Le Lettere 30-93.
ajuda para compor o dote necessário para uma jovem que desejava entrar num mosteiro; ao segundo, para confortá-lo em seus escrúpulos e ansiedade espiritual em que se encontrava. Escreveu ao Padre Caione para comunicar o agravamento de sua saúde, enquanto recolhia esmolas, em meados de 1755, e para pedir "uma obediência forte". Existem também duas mensagens breves ao padre Celestino De Robertis, a respeito de encargos recebidos dele.
A respeito da Madre Maria Celeste Crostarrosa e seu mosteiro, Caione anota:
"Outro lugar apreciado por Geraldo foi o mosteiro do Santíssimo Redentor, da cidade de Foggia. Sendo ele do nosso mesmo Instituto, e como ali as monjas observassem a Regra exatamente, vivendo-a com grande exemplo, Geraldo, por assim dizer, tinha licença dos superiores para animar aquelas religiosas com seus fervorosíssimos colóquios na aquisição de sólidas virtudes e no progresso da observância regular".10
E Tannoia acrescenta:
"Quando descia até Foggia, para onde ia com freqüência, o primeiro assunto era a Madre Celeste. Esta apreciava falar com Geraldo, e este tinha muita alegria ao comunicar com ela os sentimentos de seu próprio coração. E não sei se era Geraldo que animava a religiosa para amar mais a Jesus Cristo ou se era ela quem afervorava Geraldo a se estreitar mais na união com Deus".11
Desta profunda comunhão, a única carta que possuímos é apenas um reflexo, pois a maior parte do texto é um elenco de indulgências para o mosteiro, que Geraldo tinha conseguido em Nápoles. O mesmo, Tannoia, no início do século 18, queixa-se dizendo que faltavam as cartas entre Madre Maria Celeste e Geraldo".12
NOTAS
10) Caione 77.
11) Tannóia, Vita 90.
12) Ibidem, 91.
Temos duas cartas dirigidas à família Santorelli, de Caposele, muito amiga de Geraldo. Na primeira, aconselhava o Padre Caetano a não deixar-se vencer pelos escrúpulos no seu ministério sacerdotal. Na outra, dá um puxão de orelhas exemplar ao jovem Jerônimo, autor de algumas leviandades juvenis contra uma moça consagrada (monja em casa). A última carta que possuímos, escrita por Geraldo, durante sua última enfermidade, foi dirigida à jovem Isabel Salvatore, de Oliveto. Mesmo escrita por um moribundo, transpira vida como todas as outras.
As cartas aparecem em ordem cronológica. Desta maneira é mais fácil seguir a evolução espiritual de Geraldo. Quando não é possível conhecer a data concreta, guiamo-nos pelo sentido do texto.
1.2 - Conteúdos fundamentais
Não nos parece muito elegante oferecer ao leitor um resumo ou síntese do conteúdo das cartas, antes que se faça a leitura pessoal das mesmas. Isto seria também contra a finalidade mesma da presente edição, que deseja levar o leitor ao contato direto e pessoal com os escritos do santo. Entretanto, é útil indicar sinteticamente os assuntos principais e seus contornos, que constituem o texto das mesmas. Isto, não só para facilitar a percepção do conteúdo de cada uma das cartas, mas também para não ficar, desde o começo e por força da tradição, prisioneiro de rígidos esquemas interpretativos de sua espiritualidade. Assunto e contorno levam-nos a entender ainda as circunstâncias em que as cartas foram escritas. Esta leitura tradicional tem, certamente, elementos válidos, que temos que resgatar e desenvolver; deve, porém, ser animada pelo que S. Geraldo diz de si mesmo. Somente assim é possível chegar à "sua
verdade". Acrescentamos as circunstâncias de cada uma ou seus contornos.
De suas cartas, emerge imediatamente o sentido profundo de comunhão que une Geraldo com seus interlocutores. É um amor sincero, espontâneo, cheio de solicitude e de afabilidade. As expressões parecem, às vezes, demasiado fortes; aqui e ali Geraldo mesmo se preocupa em explicar que se trata de um afeto em Deus. É impossível não ficar impressionado pela profunda carga humana de carinho e de união que transparece em suas páginas.
O assemelhar-se com Cristo crucificado é outro aspecto que volta com freqüência. Geraldo está profundamente convencido da centralidade do mistério da cruz em toda a vida cristã, por isso, tudo aparece rico de consciência pascoal: sente-se o grão de trigo que deve morrer para poder chegar a ser espiga (Jo 12,24). A Cruz, portanto, não lhe dá medo, mas é vista como uma graça, graça que permite levar adiante a salvação dos irmãos.
A vontade de Deus constitui como que o estribilho, que, em algumas cartas, se faz particularmente insistente, sobretudo quando se menciona a cruz. Geraldo pede que não olvidemos jamais que estamos diante da vontade do Pai: uma vontade que não deseja outra coisa senão nossa felicidade. Ela é formosa. Isto, portanto, não vem declarado com reservas ou temor, mas com "muito ânimo" e "alegremente".
A confiança na oração é outro tema particularmente apreciado por Geraldo. Pede insistentemente orações para si e pelas necessidades dos outros; promete-as a outrem, e também para depois de sua morte. No fundo, aparece o rosto de seu "Deus amado", com o amor infinito revelado no dom de seu Filho Unigênito, e com o calor, simples e cheio de esperança, que brota da certeza da presença constante da "Mama Maria".
O caminho proposto por Geraldo é um caminho de fé profunda e de profunda generosidade. A união com Cristo vai
necessariamente unida ao se assumir com Ele a carga do pecado do mundo inteiro para vencê-lo e suprimi-lo definitivamente. Mas é um caminho, no qual se anda com serenidade, confiança e alegria. Ainda quando está debaixo do peso da cruz, Geraldo não cessa de recomendar otimismo. Assim os valores humanos não são negados, mas levados à plenitude, penetrados pela força e claridade de Cristo.
A profundeza mística se encontra então com a cotidianidade e suas mil exigências. Geraldo vive o sentido do concreto, como o povo, em meio a tantos problemas e tantas esperanças. Sempre guiado pela luz da fé. Os traços da piedade popular, à qual foi sempre fiel, estão animados e valorizados pela profunda intensidade de seu relacionamento com o Redentor.
Nas cartas de S. Geraldo, surpreende a forte estima que nutre para com a vida religiosa. Sem perder a espontaneidade e o calor no relacionamento fraterno, não se cansa de recordar às religiosas a particular dignidade da própria vocação. Isto não significa, contudo, o desprezo pelas outras opções de vida. Ainda que não sejam muitas as cartas dirigidas a leigos, aparece claramente que, para Geraldo, o que mais conta é o dizer sim à própria vocação e a coerência com o evangelho nas diversas situações: viver alegremente e com muito ânimo a santa vontade de Deus.
2. O regulamento de vida
Junto com as cartas, outro texto precioso para se penetrar na "verdade" de Geraldo é a síntese de propósitos, máximas e lembranças, escrita por ele mesmo a pedido do padre Francesco Giovenale. Domenico Capone escreve a respeito:
"Geraldo, chamado por Santo Afonso a Pagani no dia 14 de abril, logo depois da Páscoa de 1754, permanece lá um
mês, sendo, depois, mandado a Ciorani por 10 dias, sempre como penitência e isolamento por causa da acusação caluniosa que lhe fez Nerea Caggiano, uma jovem que ele havia encaminhado à vida religiosa. Finalmente foi enviado ao Padre Giovenale, em Materdomini, "com a ordem que este o conservasse mortificado, não lhe permitindo a comunhão eucarística senão aos domingos, e que o mantivesse isolado dos estranhos".13 Padre Giovenale conhecia Geraldo há muito tempo, quando esse era seu noviço em Deliceto. Não se limitou a tê-lo "mortificado"; quis conhecê-lo claramente em suas motivações internas, pedindo-lhe que escrevesse alguma coisa sobre sua vida espiritual. A resposta de Geraldo foi imediata, e assim nasceu o belo documento, que Caione chamou "Regulamento de Vida".14
Infelizmente não possuímos a versão original do Regulamento, mas quatro transcrições a saber: duas de Caione, outra de Tannoia e a do processo de beatificação.15 A que mais se aproxima do texto original e a mais completa parece ser esta última.16 Ademais, esta versão é apresentada pelo Padre Berruti, Reitor-mor redentorista daquele tempo, que afirma que ela se conservava no arquivo da comunidade de Pagani.17
NOTAS
13) Caione 82.
14) Caione-Majorano, Le Lettere 224 - 225.
15) Caione 155-163 e SH, 8 (1960), 202-205; Tannóia, Vita 46-54; Summarium, 311-318.
16) A versão de Tannóia apresenta sinais evidentes de retoques não só quanto ao estilo, mas também quanto ao conteúdo (por exemplo nas recordações, que vêm distribuídas de modo diferente das fontes, sintetizadas e abreviadas). A versão do Summarium é, a nível de linguagem e estilo, a menos trabalhada; concorda geralmente com os fragmentos de Caione, porém sem as omissões deste (por exemplo aquelas relativas às disciplinas, lembradas também por Tannóia). Cfr. Capone-Majorano, Le Lettere 321, nota 14.
17) Summarium, 308. No final está anotado: (Transcrito no sábado, dia 8 de outubro de 1768, segundo dia dos 10 de exercícios espirituais que todo congregado deve fazer todos os anos, conforme a Regra. Em Materdomini de Caposele, pelo Pe. Celestino de Robertis, do Santíssimo Redentor).
 
II. AS CARTAS
 
1. Carta à Madre Maria de Jesus18 (1)
Melfi, 17 de dezembro de 1751
Assunto e contornos: Geraldo apreciava muito esta religiosa e ela o tinha em grande conceito. Desde que se conheceram, começaram a corresponder-se comunicando seus próprios sentimentos. Quando se encontravam, era o mesmo que ver dois carvões em fogo que se incendiavam um ao outro.19
Desde outubro de 1751, Padre Cafaro não é mais o reitor de Deliceto e Geraldo tem mais liberdade de movimento. Visita, então, as monjas de Ripacandida e volta cheio de profunda alegria; teme, porém, que elas tenham feito uma estima muito alta sobre si. Com a carta que lhes envia, quer colocar-se humildemente à luz da verdade. A comunhão de oração que estabelece com o mosteiro, é fonte de profunda e jubilosa caridade.
Jesus + Maria!
Ó Divino Amor, ficai sempre no coração desta sua dileta e querida esposa.
Escrevo-lhe, às pressas, minha querida e bendita Madre, pondo-me novamente a seus pés e aos de todas essas minhas queridas irmãs, que desejo estejam sempre unidas no lado aberto e escancarado de Jesus Cristo e no coração aflito
NOTAS
18) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 297-299.
19) Tannóia, Vita 90.
de Maria Santíssima, onde se encontra toda doçura e todo repouso.
São tantos os favores e a benignidade de V. Revma.: de uma parte me causaram suma consolação e, de outra, trouxeram-me mortificação e tristeza, já que me reconheço cheio de indignidade em comparação com as verdadeiras esposas de Jesus Cristo, por ter-me portado com pouca modéstia e reverência diante de V. Revma., sentindo-me culpado destas faltas que causam admiração. (2)
Por isso, sinto-me obrigado a acusar-me como réu, clamando por toda parte: misericórdia, pedindo-lhes humildemente perdão, por amor de Jesus Cristo, pela minha loucura passada ou, para melhor dizer, presente, da qual lhes falei. Se bem que não proveio de outro fim, senão de um fim justo, a fim de mostrar-me como sou, para que V. Revma. tivesse piedade com todas as vossas filhas. Pois pelas minhas contínuas imperfeições, vou pedindo ajuda da Revda. Madre, esperando, ao mesmo tempo, nas suas santas orações, que, mediante essas orações, eu faça verdadeiramente a vontade do meu e comum Pai.
Agradeço-lhe, pois, a santa prudência em haver-me suportado com tanta caridade; e isto, não por mim, mas por amor de Jesus Cristo.
Entretanto, senão percebeu, pelo comentário que fiz, digo-lhe que peço que reflita sobre isto, já que falei justamente para ser auxiliado por V. Revma.
É verdade, porém, que fiquei um pouco desgostoso com aquelas palavras que foram ditas na manhã seguinte, na minha partida, durante o recreio, pois de tudo o que eu lhes disse, pensaram o contrário, tendo-lhes falado com sinceridade de coração.(3) Pois eu nunca confiei em mim mesmo, podendo certamente enganar-me.
A minha dor foi tanta que fiquei fora de mim mesmo. E ao voltar pela estrada de Melfi, o cavalo tomou o caminho de
Foggia. Já havia percorrido cerca de quatro milhas, e, quando percebi, entreguei tudo à divina Paixão de Jesus Cristo.
As comunhões (conforme o trato entre nós dois), por uma parte, foram-me de grande consolo, e por outra, causaram-me grande confusão, ao pensar na infinita bondade de Deus, que induziu as suas queridas esposas a interessar-se pela salvação de quem tantas vezes ingratamente o ofendeu.
Ó excesso de caridade, ó prodígio estupendo, ó amor de verdadeiro pastor em procurar com tanto trabalho as ovelhinhas perdidas!
Peço-lhes dizer, por amor de Jesus Cristo, àquela minha irmã, que farei, embora indigno, a santa comunhão que deseja, a fim de que se faça santa com a ajuda de Deus. Digo a todas: abraço-as dentro do lado sagrado de Jesus Cristo.(4)
Melfi, 17 de dezembro de 1751
Peço-lhe a caridade, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, de recomendar-me ao padre confessor, e a Dom Tomaso Rendina: diga-lhe que o desejaria no santo retiro em Deliceto.
De Jesus Cristo e depois de V. Revma. indigníssimo servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela do Ssmo. Redentor.
***
Observações:
1) Conhecendo o dicernimento e a prudência de Geraldo em assuntos de consciência, é preciso que conheçamos também a destinatária de 15 de suas cartas, dirigidas à Madre superiora do mosteiro carmelita de Ripacandida, Maria de Jesus. E isto porque, sendo ela declarada 'visionária' pelo examinador enviado ao mosteiro pelo bispo diocesano Dom
Teodoro Basta, esta grave pecha agravaria em muito conceito que temos a respeito do dom do discernimento de espírito, que sabemos, foi uma caraterística da vida de nosso santo. Durante o período mais crítico da vida dessa religiosa carmelita e de seu mosteiro, isto é: entre 1752 e 1753, Santo Afonso escrevia à Madre Maria de Jesus: "Eu, de minha parte, lhe asseguro que Deus está com a senhora. E que quer mais? E seus assuntos de consciência, queira comunicá-los a mim, pois, além do mais, os julgo como coisas de Deus".
Madre Maria de Jesus era superiora do mosteiro das carmelitas de Ripacandida, pequena cidade do antigo Reino de Nápoles, e pertencente ao bispado de Melfi. Levava uma vida verdadeiramente santa e, por isso, era muito estimada por São Geraldo. Ela, por sua vez, bem como as outras vinte religiosas do mosteiro, faziam um alto conceito da santidade de Geraldo e sentiam-se inflamadas no amor de Deus, quando ele as visitava e se entretinha com elas sobre assuntos espirituais. O que Geraldo unicamente queria era vê-las todas santas, abrasadas no amor de seu divino esposo, Jesus Cristo, e como Cristo, dedicadas ao amor do próximo.
Foi neste seu primeiro encontro com as religiosas de Ripacandida que aconteceu um fato deveras extraordinário. Enquanto falava com entusiasmo extraordinário sobre o amor de Deus, Geraldo sentiu-se, de repente, elevado aos ares, em êxtase. Tentando reprimir-se, agarrou-se à grade de ferro do locutório, que separava os visitantes da comunidade. Mas o impulso do amor foi mais forte: a grade ficou retorcida...
O mais interessante é que Madre Maria de Jesus contava apenas com 26 anos de idade e Geraldo, 25.
2) Que quer dizer Geraldo com isso? Parece que se refere ao fato de inflamar-se e ficar fora de si, em êxtase, quando falava de Deus.
3) Aqui transparece uma dúvida que assaltou Geraldo, quando cavalgava de volta de Melfi: "que estão pensando de mim as irmãs?" Por algumas palavras ouvidas das irmãs, ele começou a suspeitar que elas o tivessem como um santo. Para ele, isto era como um espinho no coração. E ficou tão preocupado que o cavalo se desviou do caminho sem que ele percebesse. Havia pedido a elas que rezassem por ele, pois se sentia realmente pecador, mas as irmãs haviam entendido tudo às avessas.
4) Geraldo vê e ama a todas em Jesus Cristo. Por isso diz: "abraço-as todas dentro do lado sagrado (i. é: do Coração) de Jesus Cristo". O "lado aberto e escancarado de Jesus Cristo" e o "coração aflito de Maria Santíssima" são uma clara evocação do "mistério de Cristo" na sua máxima afirmação no alto do Calvário. Foi ali que o mundo encontrou o Amor e a Vida.
 
2. Carta à Madre Maria de Jesus20 (1)
Deliceto, Santa Maria da Consolação, 22 de janeiro de 1752
Assunto e contornos: Na tentativa de incluir as monjas de Ripacandida a aceitar a mitigação das regras carmelitanas, Mons. Teodoro Basta, isolou o mosteiro, tornando difícil até a correspondência. À Madre Maria não sobrou outra forma de comunicação do que o "estar no lado sacratíssimo de Cristo". Geraldo sublinha a profunda realidade de tal comunicação e a convida a ler todos os acontecimentos, ainda aqueles que estão cheios de dificuldades, à luz da fé. Somente assim será possível
NOTA
20) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 299-300
permanecer firme. Mas "alegremente", porque o sim à vontade de Deus leva a "engrandecer-nos" sempre mais.
Jesus + Maria!
Minha querida irmã em Jesus Cristo, foi verdadeiramente um consolo para mim sabê-la tão fortemente empenhada por mim junto ao seu divino Esposo, pela carta na qual me dizia que eu não tinha outra maneira de falar-me a sós senão dentro do seu lado sacratíssimo.
Imagina V. Revma. qual não foi minha satisfação ao ouvi-la falar com tanta suavidade. Por este motivo sinto desejo de confessar-lhe a minha verdade (2). Talvez lhe agrade, caríssima em Jesus Cristo.
Eu, embora indigno, não deixo de rezar ao Senhor por V. Revma. e por toda a comunidade, a fim de que sejam verdadeiras esposas e verdadeiras amantes do seu santíssimo querer. Quantas vezes me dirijo ao Senhor, em verdade lhe digo, tantas as contemplo dentro de seu lado sacratíssimo, oferecendo-me sempre ao sacratíssimo Coração, ferido por sua causa. E Deus sabe o sentimento que V. Revma. me causa vendo-a tão aflita. Não é bem uma aflição, entenda, mas inveja minha. (3)
Bendito seja sempre o Senhor que a mantém em tal estado para fazê-la uma grande santa. Vamos, pois, alegre-se e não tema! Seja forte e corajosa nas batalhas, a fim de conseguir depois um grande triunfo no reino dos céus.
Não nos assustemos senão pelo que o espírito maligno semeia em nossos corações, porque este é seu ofício. E nosso dever é não deixá-lo triunfar em seus intentos. Não lhe demos crédito porque não somos o que ele quer e diz. Isto não é senão para nos espantarmos e nos atemorizarmos e, deste modo, fazer-nos crer que ele é o vencedor em suas más obras.
É verdade que, às vezes, nos achamos fracos e confusos. Não confusão com Deus, não há fraqueza com o poder divino! Porque é certo que nas lutas a Divina Majestade nos ajuda com seu braço poderoso. Por isso, podemos ficar alegres e engrandecer-nos (aceitando) a vontade divina. E bendiremos as suas santíssimas obras por toda a eternidade. Assim, digo a V. Revma.: não se esqueça de mim em todas as suas santas orações. Assim eu peço, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, a toda sua santa comunidade. E permaneçamos no lado sagrado de Jesus Cristo.
Santa Maria da Consolação, 22 de janeiro de 1752.
De V. Revma., indigm. servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observações:
1) Para se compreender esta carta é preciso saber que, como já foi dito, Ripacandida pertencia ao bispado de Melfi, cujo bispo, Dom Teodoro Basta, embora homem eminente, era bastante autoritário em suas decisões. Em 1746, autorizara as religiosas de Ripacandida a professar a Regra de Santa Teresa. Em abril de 1750, por ocasião de uma missão naquela cidade, Santo Afonso, fundador dos redentoristas, pregou-lhes o retiro espiritual e moderou prudentemente as austeridades excessivas que praticavam. Algum tempo depois, convidado pelo Bispo, entrou em cena um padre carmelita de Nápoles que propôs uma mitigação na observância da Regra de Santa Teresa; as monjas se opuseram a isso. O Bispo tomou, então, para si a direção imediata do mosteiro e deixou o padre carmelita agir. Não deu às irmãs um diretor espiritual que as orientasse na vida pessoal. Também os colóquios espirituais no locutório foram
proibidos ou, pelos menos, tornaram-se muito difíceis. Quem quisesse podia dirigir-se ao Bispo ou confessor nomeado. Dom Basta mandou examinar a vida interior de Madre Maria de Jesus e ela foi declarada "visionária". Temendo estar enganada, a pobre monja escreveu a Santo Afonso, expondo-lhe sua situação e a das outras religiosas do mosteiro. Fez isto sem a autorização do bispo que proibira às monjas escrever cartas, a não ser alguma absolutamente necessária, mas sempre sob o controle de um sacerdote nomeado ad hoc por ele.
A 27 de janeiro de 1752 - portanto cinco dias depois desta carta de São Geraldo - Santo Afonso respondia à Madre, tranqüilizando-a quanto à sua vida espiritual: "De minha parte, asseguro-lhe que Deus está com a senhora. Que quer mais? As suas coisas, sobre as quais me escreveu, considero em geral coisas de Deus". Quanto à falta de um diretor espiritual, escreve o santo Doutor na mesma carta: "Deus não existe? Como é que tantos se fizeram santos nas grutas, nos desertos, onde não tinham outros diretores senão os passarinhos e as árvores? Quando temos um diretor idôneo, e não queremos recorrer a ele, Deus não nos ajuda. Mas quando falta tal diretor (como falta, em geral, nos mosteiros de Nápoles e quanto sofrem muitas almas boas!) então Deus faz tudo. Deus não pode faltar a quem o procura de todo o coração. Consolo-me fazendo saber-me que V. Revma. e todas se abandonaram nos braços amorosos de Jesus, que, em verdade, se deixa encontrar por quem o quer".
A Madre tinha-lhe escrito sem a permissão do bispo; também quanto a isso, Santo Afonso a tranqüiliza, com sua autoridade de teólogo moralista: "Não tenha escrúpulo, nem agora nem depois, por haver-me escrito sem permissão. Basta que eu lhe diga isto, não ande procurando razões. Mas diga às suas irmãs e minhas irmãs que guardem segredo com todos, com o confessor e com o bispo". Embora grande
amigo de Dom Basta, Santo Afonso era mais amigo ainda da verdadeira paz e serenidade das consciências.
2) A "verdade" de São Geraldo era uma total identificação com Cristo crucificado, até suas últimas conseqüências: sofrimento e morte. Nisto via ele até que ponto vai o imenso amor de Deus pelos homens, a vontade salvífica de Deus. Conformar-se totalmente com a vontade de Deus nos sofrimentos e na morte em união com Jesus crucificado e morto, era, para Geraldo, a realidade da vida humana, realidade que leva à Ressurreição e à Vida. Por isso, seu grande segredo, a sua "verdade", era sua total identificação com Cristo crucificado.
3) A "inveja" de Geraldo é uma santa inveja, pois as tribulações e sofrimentos da Madre Maria de Jesus, unidos aos de Cristo, servirão para santificá-la. É o que ele diz logo em seguida, bendizendo a Deus "que mantém em tal estado para fazê-la uma grande santa". E a encoraja: "Vamos, pois, alegre-se e não tema! Seja forte e corajosa nos combates..." Mais adiante escreve: "Não há confusão em Deus, não há fraqueza com o poder divino! Pois é certo que nas lutas a divina majestade nos ajuda com seu braço divino".
Quem conhece a vida de Geraldo sabe quantas lutas ele teve que sustentar com o espírito maligno e com as forças que o apóiam. Falava por experiência própria e não por noções aprendidas em livros. Daí o magnífico final da carta: "Por isso podemos ficar alegres e engrandecer-nos cada vez mais na vontade de Deus. E bendiremos suas santíssimas obras por toda a eternidade". É nesse crescer em grandeza de sintonia com Deus que está a verdadeira dignidade do homem como pessoa.
 
3. Carta à Madre Maria de Jesus21 (1)
Fevereiro/março de 1752
Assunto e contornos: Tannoia nos transmite esse fragmento de carta e nos assegura que ela estava endereçada à Madre Maria de Jesus; não especifica, porém, a data. Os acontecimentos de Ripacandida e a leitura paralela de outras cartas de Geraldo levou Domenico Capone a propor como mais provável os meses de fevereiro/março de 1752.22
"Me encontro cheio de pecados". Geraldo vivia profundamente as palavras de Cristo: "Sejam perfeitos como vosso Pai é perfeito" (Mt 5,48). Sentia-se, porém, profundamente solidário com os pecadores, perdendo, então, sua habitual jovialidade e revivendo neles o mistério da Paixão de Cristo.
Acho-me cheio de pecados! Peça a Deus que me perdoe! Todos se convertem e eu permaneço obstinado. (2)
Tenha paciência, discipline-se (3) por mim, a fim de que sua Divina Majestade me perdoe e me acolha; o mesmo peço a todas as suas filhas.
Estou cheio de aflições e não encontro quem acredite em mim. Deus assim o quer. Quer que eu morra sem compaixão, abandonado por todos!
Assim quero viver e morrer para dar gosto a Deus.
***
Observações:
1) Geraldo pertencia, na época, à comunidade Deliceto. A esta casa acorriam muitos sacerdotes e leigos para fazer retiro espiritual ou para confessar-se. Geraldo participava desse trabalho missionário. Procurava os pecadores e os
NOTAS
21) Tannóia, Vita 90-91.
22) Capone-Majorano, Le Lettere 41-49.
ajudava, às vezes por meios extraordinários, a libertarem-se do pecado. Nisto, seu mestre era Jesus. Dele e Nele, Geraldo aprendia a pagar pessoalmente pelos pecados do próximo.
2) Geraldo tinha um profundo e íntimo conhecimento de Cristo na cruz, e, assim como Cristo tomou sobre si os pecados do mundo e se ofereceu ao Eterno Pai para pagar por eles, assim também Geraldo, em sua plena identificação com Cristo Crucificado, sentia realmente como seus os pecados do próximo e se oferecia a Deus em paga deles. Por isso diz: "Assim quero viver e morrer para dar gosto ao meu Deus". Como Cristo, cujo alimento era fazer a Vontade de Deus (Jo 4,34), assim também Geraldo queria em tudo, na vida e na morte, "dar gosto ao seu Deus", isto é, cumprir em tudo a divina Vontade, como ele repete freqüentemente em seus escritos. Foi nisto que ele se realizou.
3) "Disciplinar-se" era uma penitência bastante rude, muito usada sobretudo entre religiosos, imitando assim literalmente a flagelação de Cristo. Faziam-no em paga dos próprias pecados ou do próximo. Geraldo pede às monjas "se disciplinarem" em satisfação dos "pecados".
 
4. Carta à Madre Maria de Jesus23
Santa Maria da Consolação, 1º abril de 1752.
Assunto e contornos: As dificuldades de comunicação para o mosteiro de Ripacandida acentuaram-se nos primeiros meses de 1752. Isto, contudo, não arrefeceu o relacionamento fraterno. Geraldo pede que se intensifique a união na oração, centrando-a na eucaristia e em Maria. Contudo sabe também valorizar os gestos simples da piedade
NOTA
23) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 300-301
popular. A presença eucarística constitui o centro da vida da comunidade religiosa. "Quando participava, durante o dia, da exposição do Santíssimo, apesar de seu cuidado constante em furtar-se aos olhares dos estranhos, Geraldo voltava com o rosto radiante; seu peito ficava agitado e ofegante, sua mente totalmente concentrada, e como que fora dos sentidos, de modo que se via nele um serafim em ato de adoração".24
Jesus e Maria!
Minha caríssima, Deus a faça santa em Cristo.
Não posso enganar-me, pois sei muito bem que aí está nosso apaixonado Senhor, que, encarcerado de amor, é visitado freqüentemente pelas suas esposas e por S. Revma., que tem sido a primeira "carcereira".
Por isso eu lhe peço que, com autoridade de caridade materna, mande a todas as suas obedientíssimas filhas que, da minha parte, visitem este seu divino Esposo. Basta que nesta visita rezem em meu nome um só Glória ao Pai. Tenho dito. E ao terminar digam por mim muitas vezes: Senhor, Piedade. (1)
E para o futuro não se esqueça nunca de recomendar-me a este divino ferido de amor, que eu, cada manhã, indignamente na sagrada comunhão jamais me esquecerei de recomendá-las. Quanto à Ave-Maria: rezo-a com toda pontualidade por V. Revma. E as orações habituais são para que o Senhor a visite com sua divina bondade, a fim de que as faça santas. Espero que Ele a console com aquilo que Ele sabe e faz.
Peço-lhe, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, a caridade de enviar-me uma cópia da estatueta de Santa Teresa, porque não tenho mais aquela que V. Revma. me deu (2). Foi-me requisitada por um mosteiro que
NOTA
24) Summarium, 70
a desejava: e para não lhe perder a devoção, fui forçado a dar-lha.
De todas as cartas que lhe mandei não recebi resposta, a não ser da primeira, aquela que me trouxe o Irmão Caetano (3).
Insisto mais uma vez que não se esqueçam de mim, em recomendar-me freqüentemente ao Senhor, porque necessito muitíssimo. E Deus conhece as minhas necessidades habituais.
Osculando suas santas mãos, aqui fico.
Santa Maria da Consolação, 1º de abril de 1752.
De V. Revma., dedicado irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observações:
1) Geraldo pede que as irmãs rezem por ele em uma de suas visitas diárias ao Santíssimo Sacramento e, como ele se sentia grande pecador, pede que implorem repetidas vezes por ele a misericórdia divina, insistindo nesta breve, mas significativa, prece: "Por piedade, Senhor!".
2) Parece que Geraldo se refere a uma pequena peça de pano que servia de hábito a uma pequenina imagem da Santa Fundadora ou talvez ao véu da estatueta. Seja como for, temos aqui um sinal da devoção tipicamente simples e popular de Geraldo: se, de uma parte, ele vê Deus sem "viseira" - como ele mesmo costumava dizer - isto é, em todas as coisas e acontecimentos, de outra parte, dá valor a uma "pequena peça da estátua" de sua querida Santa Teresa! É a sabedoria da devoção popular: perceber a presença de Deus através do frágil véu das pequenas coisas, nos pequenos valores do homem simples.
3) Irmão Caetano era um santo eremita muito amigo de São Geraldo. Vivia nas proximidades da casa de Deliceto.
 
5. À Madre Maria de Jesus25
Melfi, 16 de abril de 1752
Assunto e contornos: A alegria experimentada por Geraldo ao receber correspondência do mosteiro de Ripacandida, finalmente, é grande. Entretanto, ele não sabia que, precisamente naqueles dias, a proibição de Dom Basta se estendia também a ele.
Geraldo encontra-se na metade do tempo de seu noviciado e intensifica a preparação para a profissão religiosa. Deve evitar os contatos com o exterior para aprofundar-se, num clima de recolhimento, na reflexão e oração. A comunhão espiritual com Madre Maria de Jesus, e com as outras irmãs de Ripacandida, surge com força e espontaneidade. Contudo, ele as convida a não esquecerem que seu amor nasce do fato de as considerar "verdadeiras e queridas esposas" de Cristo e, por isso, "memória ou lembrança" da Virgem Maria.
A alegria que experimenta com a carta, fá-lo esquecer, por um momento, os sofrimentos espirituais pelos quais passava. Seu sim à vontade de Deus não perde o impulso, melhor ainda, convence-o mais ao pedir-lhe que caminhe "debaixo da água e do vento".
À madre Maria de Jesus Cristo Salvador.
Jesus e Maria!
NOTA
25) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 301-303
A graça do amor divino esteja eternamente na alma de V. Revma. Amém.
Ó Deus, quão grande foi a alegria que senti no íntimo, ao receber sua prezadíssima carta, por mim tão ardentemente desejada! Mas como lhe falo com verdade diante de Deus, digo que este desejo não nasce do meu querer, mas do Altíssimo que me faz sempre pedir ajuda a outros, porque eu sozinho não posso.(1) Pois sua divina vontade quer que eu caminhe debaixo da água e do vento. Ele me quer em tal caminho e eu também o quero. Por isso, seja feita sempre perfeitamente sua divina vontade e que Deus me faça digno.(2) Entretanto, consolo-me que V. Revma., e todas as suas filhas, estejam tão fortemente empenhadas por mim aos pés da Divina Majestade. E eu espero com certeza e quero que Ela lhes pague abundantemente por mim. Porque meu único chefe, Jesus Cristo, me deu toda sua infinita bondade, a qual ofereci ao seu Eterno Pai. Repito, quero que com a mesma bondade dada a mim por seu Filho, lhes pague em dobro e com a glória sem fim por toda a eternidade. (3)
Não se admirem de que lhes escreva com tanta afeição, sendo que o único motivo é que são estimadas por mim como verdadeiras esposas diletas de Jesus Cristo e por isso me move o desejo de conversar continuamente com as senhoras. Mas a única razão que toca vivamente meu coração é que as senhoras, esposas que são, me lembram e representam a Mãe de Deus. É nesta condição que as estimo. E não sei se... Deus não quer que haja alguma contra o meu querer. Por isso quero que, como prova, se leia em comunidade esta minha carta.
Além disso, minha queridíssima irmã em Cristo, lhe agradeço muito pela cópia da estatueta de Santa Teresa que me mandou e que eu tanto desejava ter.
Comunico-lhe que tive a má sorte de não chegar até aí; é sinal evidente que Deus não o quis. Desejava ir ao menos por um dia, pois era para a glória de Deus e a mandado de
meu superior. A razão foi porque dom Benedeto Graziola me obrigou a demorar-me em sua casa e fez com que eu não tivesse tempo de ir até aí. Para obedecer a meu diretor (espiritual), que estava em Melfi, com o qual vim junto desde Deliceto, dirigi-me para Melfi. Mas, para minha mortificação e por vontade de Deus, aconteceu que ele já tinha partido para Caposele.
Sua Reverendíssima pede-me que saúde ao irmão Caetano; para cumprir seu desejo, não posso fazer outra coisa senão, por meio de sinais, fazer que ele leia a sua estimadíssima carta, porque já há mais tempo, de fato, não lhe falo por vontade de Deus, pois os meus superiores me ordenaram assim: que eu não falasse com ninguém de fora da comunidade. Só posso fazê-lo quando estou fora.
E peço-lhes que orem ao Senhor para que me faça perder esta falsa idéia que fazem de mim, a fim de que todos se esqueçam de falar e tratar comigo e se descubra a verdade clara que foi entendida às avessas.(4)
Esta minha carta lhe sirva de resposta à carta que V. Revma. me enviou recentemente. Por esse motivo, comunico-lhe que o nosso Ir. Caetano continua em seu santo eremitério e que ama quanto pode a Jesus Cristo e a Maria Santíssima. E o que mais me consola é que nele se percebe uma grande pureza de coração, que tudo faz unicamente por Deus.
Quando eu lhes escrever outra vez, peço-lhe me responda quanto tem progredido, com todas as suas filhas, na santa perfeição para minha maior confusão.
Das três cartas que me mandou, não recebi a segunda nem a terceira: sinal claro que o divino querer não o quis. "Fiat voluntas sua, ut remaneamus in corde Jesu et beatae Mariae Virginis" (Faça-se a vontade de Deus para que permaneçamos nos corações de Jesus e de Maria).
Melfi, 16 de abril de 1752.
Prostro-me aos pés de seu digníssimo padre espiritual, a fim de que se lembre de rezar por mim.
De V. Revma., indigníssimo servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Ssmo. Redentor
***
Observações:
1) Geraldo sente-se incapaz de amar a Deus como Deus quer dele; por isso diz que este seu desejo não é seu, mas é vontade de Deus e, quando sabe que outros rezam por ele e o ajudam, sente-se animado e fica contente.
2) O que mais Geraldo deseja é cumprir a vontade de Deus, mesmo em meio a tempestade, isto é, nos maiores sofrimentos e tribulações. Foi este o princípio que o guiou durante toda sua vida. Por certas biografias, julgamos que sua vida foi um mar de rosas, entretanto sua "verdade" foi outra, foi como a de Cristo na cruz, morrendo de amor por nós. Este heroísmo é um dom de Deus ao homem e, sabendo disso, Geraldo diz: "contanto que Deus me faça digno".
3) Geraldo agradece às irmãs e lhes paga com a graça que seu "chefe" Jesus lhe deu, e administrando-a, oferece-a como um dom ao Pai Eterno para que pague às irmãs com a mesma graça "em dobro e com glória infinita".
4) Geraldo tinha-se em baixo conceito; julgava-se um grande pecador. Muitos, porém, o aclamavam como santo. Por isso pede à Madre Maria de Jesus que reze a Deus para que ele faça acabar com a "falsa idéia" que faziam dele e se "descubra a verdade clara, entendida às avessas".
 
6. Carta à Madre Maria de Jesus26 (1)
Data: 24 de abril
Assunto e contornos: O tom desta carta é totalmente diferente da precedente. Geraldo, inteirando-se da proibição de Dom Basta, apressa-se em declarar sua inteira disponibilidade, exortando à Madre Maria de Jesus e suas coirmãs a viver com fé profunda também estes momentos difíceis.
"O zelosíssimo bispo de Melfi, escreve Caione, conhecendo muito bem o intercâmbio epistolar entre Geraldo e essas boas religiosas (---), proibiu-lhes manter correspondência, também com o Ir. Geraldo. Este não ficou sabendo pelas próprias irmãs, mas através de uma terceira pessoa, que era um santo sacerdote, do qual deviam servir-se para escrever qualquer assunto indispensável por ordem do bispo.
Vislumbrando, talvez, alguma queixa de alguma das religiosas por causa da proibição, Geraldo lhes escreve uma carta que merece eterna lembrança e pela qual se conhece qual foi a virtude e a perfeição de nosso irmão".27
Não deve deter-se na superfície dos acontecimentos cotidianos, mas antes percrustá-los com olhar de fé: o projeto e a presença amorosa de Deus são reais, também debaixo da crosta dos acontecimentos, que, a primeira vista, parecem demasiados duros. É possível, então, viver sempre com serenidade, sabendo que no projeto de Deus está nossa felicidade e nossa realização plena.
Jesus e Maria!
Meu querido e ilustríssimo Senhor Bispo fez bem, se lhe proibiu escrever, pois esta é a vontade de nosso amado
NOTAS
26) Caione 74-76; Tannóia, Vita 100-103.
27) Caione 74.
Deus. E eu me alegro muito que o Senhor a livre de tantos incômodos, pois todos são sinais de que Ele a ama e a quer toda unida a Ele; quer também que se poupe de tanta fadigas. Por isso, V. Revma., esteja alegre e de bom humor, pois estas coisas não nos devem afligir, mas, antes causar alegria. (2)
Quando se trata da vontade de Deus, tudo deve ceder. Sua Reverendíssima o sabe melhor que eu e que qualquer outro.
Que quer que eu diga? Falei e falarei com confiança com uma que é minha mestra neste ponto. Ainda não fui capaz de compreender como uma alma espiritual, consagrada a Deus, possa, alguma vez, encontrar amargura nesta terra, por não lhe agradar em tudo e sempre a bela vontade de Deus, sendo que ela é a única substância de nossas almas (3)
Ah! maldita propriedade (apego) que impede às almas possuir um tão imenso tesouro, um paraíso na terra, um Deus! Ó coisa verdadeiramente grande, digna de infinita consideração! Ó vileza da ignorância humana, que faz negligenciar uma aquisição tão grande! (4)
Não é, pois, o Deus altíssimo que tudo rege, quem o permite? Não é, pois, sua santíssima vontade aquilo que não parece sê-lo? Haverá, talvez, um meio mais próprio para levar-nos a nossa eterna salvação? Ó Deus, que outro meio haveria mais adequado para salvar-nos? E que outra coisa maior poderá encontrar-se para dar-lhe gosto, do que fazer sempre em tudo sua divina vontade? Que outra coisa Ele quer de nós, senão que se faça sempre perfeitamente sua divina vontade, como Ele quer, onde quer e quando quer, estando nós sempre atentos a seu mínimo aceno?
Fiquemos, portanto, totalmente indiferentes em tudo, a fim de que sempre possamos fazer a vontade de Deus em tudo com aquela pureza de intenção que Deus quer de nós.
É uma grande coisa a vontade de Deus! Ó tesouro oculto e inestimável! Ah! sim, eu bem te compreendo! És tu
que tanto vales, quanto meu próprio Deus! E quem pode compreender-te senão o meu caro Deus?
Sinto-me sumamente consolado, é certo, porque V. Revma. é uma daquelas almas que se alimentam unicamente da bela vontade de meu amado Deus, pois me é bem conhecida a sua heróica virtude quanto a isso. Continue, pois, a transformar-se numa união perfeita, numa mesma coisa com a bela vontade de Deus.
E o que fazem os anjos no céu, queiramos fazê-lo nós também na terra. Vontade de Deus no céu, vontade de Deus na terra! Portanto, paraíso no céu, paraíso na terra!
Faça conhecer a todas estas poucas linhas. Creio, e como já imaginava, que o Exmo. Sr. Bispo proibiu não somente a V. Revma., mas a todas, escrever a outras pessoas. Fez bem e assim deve ser.
Peço-lhe que não se aflija por isso, porque seria o mesmo que queixar-se de Deus. Portanto, que se faça a sua santíssima vontade. E eu me declaro contentíssimo que não me escreva mais; o mesmo digo também às Irmãs.
E mesmo que seja só para me saudar, se conhecer nisso a mínima sombra de desobediência, não o faça por caridade e por amor de Deus, porque me contento com tudo. Basta que me recomende ao Senhor.
É isso que quero. Pois, bem conheço o fim que tem em vista este santo Prelado: ele as quer todas unidas a Jesus.
E se eu for aí, abster-me-ei de pedir-lhe permissão para falar com as senhoras, já que não é permitido escrever. E se o meu superior me enviar aí alguma vez, não adianta ir vê-las, já que nos veremos no céu. Enquanto estamos na terra, queiramos fazer-nos santos, fazendo a vontade dos outros e não a nossa (5).
24 de abril.
Geraldo do Redentor (6)
Observações:
1) Esta carta é uma das mais belas de São Geraldo. É um verdadeiro hino à Santíssima Vontade de Deus no meio das tribulações e aflições desta vida. É autobiográfica: relata o íntimo do santo Irmão, sua íntima união e conformidade com a Vontade de Deus.
2) Quando escreveu a carta de 16 de abril de 1752, oito dias antes desta, Geraldo não sabia da proibição do Bispo. Tendo recebido a carta de 16 de abril, as Irmãs perceberam que Geraldo de nada sabia. Pediram então ao sacerdote encarregado do controle da correspondência, que o avisasse. Geraldo tomou logo da pena e entrou imediatamente no assunto, que para ele era tudo: a vontade de Deus. E produziu esta maravilhosa obra-prima de santidade e santificação. Vale a pena lê-la e meditá-la.
3) Pensamento profundo esse! Fomos criados pelo poder e bondade de Deus e remidos pelo sangue de Cristo, para vivermos segundo a vontade de Deus. Ela é "a única substância de nossas almas", isto é, de nossa realidade: é ela que faz o homem ser verdadeiramente homem. É a razão de ser de todo homem e mulher que vêm a este mundo. Por isso é só nela que encontramos a nossa verdadeira grandeza e felicidade: ela "é a única substância de nossas almas", como diz São Geraldo.
4) Geraldo se insurge contra o modo de agir dos que pensam que o "ter" é que vale e não o "ser", e fazem da vontade própria a sua "propriedade", independente da vontade de Deus. E usa, com razão, de expressões fortes: "maldita propriedade", "vileza da ignorância humana".
5) Geraldo quer dizer com isso que, se quisermos ser santos, devemos submeter-nos à vontade dos que têm
legítima autoridade sobre nós. Mesmo que, por permissão de Deus, se enganem ou errem, ou ordenem algo que contrarie nossa vontade e nos desgoste, não devemos nos perturbar. Pelo contrário, devemos alegrar-nos, que tudo ordena ou permite para nosso bem e santificação, quando o amamos verdadeiramente.
6) Note-se a diferença da assinatura nesta carta com a sua, em algumas outras cartas, sobretudo nas dirigidas às monjas de Ripacandida. Aqui ele escreve de um modo um tanto seco: "Geraldo do Redentor". Parece que foi forçado pelas circunstâncias, pois sabia que a carta passaria pelas mãos do sacerdote encarregado de controlar a correspondência do mosteiro, antes de chegar às mãos da madre. Por isso evitou expandir-se em afetos, mesmo sem se tratando de seu "amado Redentor".
 
7. Carta à Madre Maria de Jesus28 (1)
Data: Antes de abril/maio de 1753.
Assunto e contornos: Ao transcrever esta carta, Tannoia diz que foi dirigida à Madre Maria de Jesus, mas não especifica a data. A maneira de expressar-se de Geraldo, supõe que a Madre Maria de Jesus é ainda superiora. Sabemos que ela ocupou o cargo até abril/maio de 1753. É bom ler esta carta tendo em vista a anterior a respeito do sim generoso e sem reservas à vontade de Deus.
Quero que se aplique intensamente a pedir a Deus por uma Irmã que está prestes a morrer. (1)
Não quero vê-la morta. Diga ao meu amado Deus que desejo que ela se faça mais santa e que morra na velhice, a
NOTA
28) Tannóia, Vita 93
fim de que tenha o gozo de ter passado muitos anos no serviço de Deus.
Vamos, pois, esforce-se com o poder de Deus. E que, desta vez, Deus queira fazer como nós queremos.(2)
Em nome de Deus dou-lhe a obediência de não deixá-la morrer. Quero começar uma novena ao poder de Deus pela saúde desta religiosa.
Observações:
1) A Irmã que estava à beira da morte era uma monja do mosteiro do Santíssimo Salvador de Foggia. Geraldo costumava visitar também este mosteiro onde vivia a santa fundadora, Venerável Maria Celeste Crostarrosa, que, em 1732, quando pertencia ao mosteiro de Scala, tivera muita influência na fundação da Congregação Redentorista por Santo Afonso.
2) Geraldo não se opõe aqui, nem por sombra, à vontade de Deus. Um homem como ele, para quem a vontade de Deus era toda a razão de seu ser, viver, pensar e agir, jamais seria capaz de se opor ao divino querer. Muito pelo contrário. O viver segundo a vontade de Deus é justamente viver segundo a fé; é viver da fé. Quem vive da fé, confia no "poder de Deus". E Deus fará o que se lhe pede com viva fé, até mesmo, se for necessário, algum milagre. Geraldo era homem de fé; acreditou na palavra de Jesus, confiou no "poder de Deus" e conseguiu de Deus o que queria: a Irmã sarou. Geraldo atribuía grande força à oração ao "poder de Deus".
 
8. Carta ao padre João Mazzini29
NOTA
29) Ao Pe. Consultor P. D. Giovanni Mazzini do Ss. Redentor. Summarium, 310-311.
Deliceto, Santa Maria da Consolação, 26 de julho de 1752.
Assunto e contornos: "Em meados do mês de julho, Geraldo terminava o segundo semestre de noviciado. O conselheiro geral, padre João Mazzini, que, durante sua visita canônica de junho de 1751 à comunidade de Deliceto havia conhecido o Ir. Geraldo, recomendou-o a Santo Afonso para sua admissão à profissão dos votos religiosos. De fato, no terceiro domingo do mês e festa do Santíssimo Redentor, Geraldo emite os votos de pobreza, castidade e obediência".30
O relacionamento fraterno com o qual se sente ligado a Mazzini, é de tal profundidade e beleza que Geraldo não sabe explicar: "Somente Deus o sabe". Agora enriquece-se com a alegria e gratidão pela profissão religiosa. O suporte de tudo é, e continua sendo, o generoso cumprimento da vontade de Deus.
A Madre Celeste, à qual se refere no final da carta, é certamente Crostarosa, que Mazzini conheceu em Scala no início da Congregação redentorista.
Jesus e Maria
A graça do Espírito Santo encha a alma de V. Revma. e nela esteja sempre e a Mãe Imaculada lha conserve. Amém.
Meu caro padre, quanto o amo, depois de Jesus Cristo e de Maria Santíssima! E espero que seja puro afeto em Deus. Sobre isso, não posso explicar-me. Só Deus o sabe (1).
Agradeço-lhe muitíssimo a piedade e a caridade que teve para comigo junto à sua Divina Majestade, fazendo que nosso Pai desse ordem para eu fazer a santa profissão. Já a
NOTA
30) Capone-Majorano, Le Lettere 90.
fiz no santo dia do nosso Santíssimo Redentor, e espero que sua Divina Majestade não queira jamais me abandonar, mas sempre assistir-me, a fim de que me faça cumprir a sua santíssima vontade.
Meu padre, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, seja lhe recomendada esta minha oração: não se esqueça de apresentá-la sempre a Deus, que eu, embora indigno, jamais, jamais me esquecerei de Vossa Reverendíssima.
Beijo-lhe as sagradas mãos. "Et perpetuo permaneamus in corde Jesu et beatae Virginis Mariae".
De Vossa Reverendíssima
Indigmo. servo e irmão,
Geraldo Majela do Santíssimo Redentor.
Em tempo:
Sóror Maria Celeste saúda-o carinhosamente e teria muito desejo de vê-lo. Quer que V. Revma. não se esqueça dela em suas orações e aguarda resposta disso.
Eu teria muito que dizer-lhe a meu respeito em confidência e segredo, mas não posso: neste mesmo momento parto para fora de casa.
Observações:
l) O padre João Mazzini foi um dos primeiros companheiros de Santo Afonso na Congregação Redentorista. Era um religioso exemplar. Eleito conselheiro ou consultor geral da Congregação, fez, como tal, em junho de 1751, em nome do Superior Geral, Santo Afonso, a visita canônica em Deliceto, onde teve ocasião de conhecer o espírito de São Geraldo. Daí se originou entre eles uma profunda amizade espiritual. Terminada a visita canônica, Mazzini recomendou Geraldo a Santo Afonso para a profissão religiosa. De fato, Geraldo foi admitido à segunda parte do
noviciado e pôde emitir os santos votos de pobreza, castidade, obediência, na festa do Santíssimo Redentor de 1752, como já dissemos. Nesta carta ele agradece ao Padre Mazzini o que este havia feito para proporcionar-lhe a graça de fazer a profissão.
 
9. Carta a Santo Afonso31
Deliceto, Santa Maria da Consolação, 28 de julho de 1752
Assunto e contornos: Também esta carta é prova clara e convincente da alegria e da profunda gratidão com as quais Geraldo viveu a profissão religiosa. Ele vai mais além do que um simples gesto formal de gratidão para com a autoridade.
O sincero respeito pelo seu 'santo' Reitor Mor, não inibe a espontaneidade de Geraldo. Ele vive 'sem luz' na 'eterna claridade'. O sentido profundo da obediência, sempre testemunhado por ele, também nos momentos mais difíceis de sua vida, fica valorizado por esta claridade. Por isso pôde escrever no Regulamento nº 15: "Corrigirei a cada um, como se fosse o mesmo Padre Reitor Mor, quando fale mal do próximo".
Jesus e Maria
A graça do Amor divino esteja sempre na alma de V. Revma. e a Mãe Imaculada lha conserve. Amém.
Meu Pai,
eis-me prostrado aos pés de V. Revma. e agradeço-lhe a bondade e caridade que teve para comigo, de me haver já
NOTA
31) Al Nostro M. Rev. Rettore Maggiore il O. D. Alfonso di Liguori del Ss. Redentore, Materdomini, Arquivo do Santuário.
aceito e recebido, contra os meus méritos, como um de seus filhos.
Bendita seja por toda a eternidade a divina bondade que usou para comigo de tantas misericórdias e me fez tantas graças, pouco conhecidas por mim, a ponto de, no dia sacrossanto de nosso Santíssimo Redentor, eu já ter feito a santa profissão e, com isso, consagrei-me a Deus.
Ó Deus! Quem fui e quem sou eu que ousei consagrar-me a um Deus? Desejaria falar propriamente das minhas indignidades. Não, isso não adianta, pois, quando sem luz está em nós a eterna claridade, é louco quem quer falar das verdades eternas! É inútil na vida presente. (1)
Meu pai, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, envie-me a sua santa bênção e coloque-me aos pés da Divina Majestade. Beijo-lhe as sagradas mãos.
Indigmo. servo e filho,
Geraldo Majela
do nosso Santo Redentor.
Observações:
1) Aqui se vê o espírito contemplativo de Geraldo: apenas pensa na bondade de Deus, que está no íntimo de seu ser, o inunda, e ele não encontra palavras com que exprimi-la, tão grande é a luminosidade de Deus, que não se pode comparar com a pequenez da criatura. Geraldo considera "louco" quem quisesse descrevê-la.
 
10. Carta à Madre Maria de Jesus32
Data: Fevereiro/março de 1753
NOTA
32) Summarium, 295-296; SH, 8 (1960) 202 (fragmento)
Assunto e contornos: O isolamento epistolar do mosteiro de Ripacandida perdurou até começos de 1753. "A abertura deve ter acontecido em dezembro de 1752, ou o mais tardar em janeiro de 1753, tendo-se em conta que Santo Afonso escrevia sobre a dificuldade tida com o Sr. Bispo, mas ainda não sabia qual seria o desfecho. Mais tarde, em fevereiro, alegrava-se com a Madre Maria porque "estava fazendo retornar à observância".33
Daí a data sugerida, uma vez que a carta menciona a alegria pelo término da proibição, vivida com fé em meio a um profundo sofrimento.
Esta carta é um hino de fé. Fé em Deus, guia fiel no caminho de cada um, que chega a ser fidelidade e amor verdadeiro ao próximo. Geraldo está profundamente decidido "a viver e morrer penetrado da santa fé". E não se cansa a exortar a todos quantos encontra.
A alegria pelo reinício da correspondência epistolar está cheia de humorismo. Assim Geraldo consegue evitar a angústia sobre os aspectos problemáticos do passado recente, que já está a caminho de solução. O importante é continuar o caminho com grande coragem e liberdade.
Viva o nosso amado Deus! Deus a proteja.
O nosso querido e amoroso Jesus esteja sempre com a senhora, minha boa madre, e nossa Mãe Maria Santíssima a conserve sempre no Ser amoroso do nosso amado Deus. Amém.
Eis a resposta à sua estimada carta. Digo-lhe que é preciso escrever por toda a parte e fazer saber... que se narra como uma das mais famosas maravilhas de Deus, o ter V. Revma., depois de tanto tempo, se lembrado de mim, seu servo. E eu que já pensava que a senhora não era comigo a
NOTA
33) Capone-Majorano, Le Lettere 45.
mesma de antes. Com tudo isso, porém, ainda não estou certo, mas não me importo; basta ter tido a honra de vê-la novamente. Tenho infinito prazer nisso e louvo por isso ao supremo Criador. Mas, basta! Seja como for, ponho tudo nas mãos do meu Deus amado e lhe perdôo (1).
Se V. Revma. se queixa de mim, digo-lhe que não sou como Ir. Maria de Jesus, que promete muito e não se lembra. Mas daquilo que prometi não sou capaz de esquecer-me. Quero cuidar de cumprir a minha obrigação, pois tudo que lhe prometi, quero cuidar de o fazer. Pois quem falta, falta a si mesmo.
E se, além disso, a senhora se sente arrependida, digo-lhe que não se deve ter arrependimento no amar o nosso dileto Deus, mas que se faça sempre a sua divina vontade. Pois aquilo que se fez, esteja bem feito.
Desejaria que a senhora fosse mais corajosa no cumprir a vontade divina.
Assim sou eu: quanto mais me vejo repelido por V. Revma., tanto mais me apresso a ir junto da senhora a fim de encontrar o meu dileto Deus.
Viva aquela santa fé que lhe foi demonstrada e que me ensina tão grande mistério! É necessário ter fé para amar a Deus; pois quem não tem fé, está em falta com Deus. Já estou resolvido, por tudo isso, a viver e morrer impregnado da santa fé. A fé é vida e a vida para mim é fé.
Ò Deus, quem quererá viver sem a santa fé? Eu desejaria sempre exclamar e ser ouvido em todo o universo e dizer sempre assim: viva a nossa santa fé no nosso Deus bem amado!
Só Deus merece ser amado! E como poderei viver se falto ao meu Deus?
Ah! preciso parar a pena e viver sepultado no silêncio. E aí descansar em doce repouso de eterna liquefação. Ó inexplicável Divindade, falai Vós por mim, que eu não posso. Entrego-me a Vós, meu Bem! em Vós repouso.
De V. Revma.
Indigmo. servo e irmão afetuosíssimo,
Geraldo Majela,
do nosso amado Redentor.
Observações:
1) Geraldo, ao contrário do que muitos pensam, era um homem jovial. Procurava comunicar a sua jovialidade aos outros, a fim de alegrá-los. Por isso, a carta tem um tom humorístico. Geraldo diz que "perdoa" à Madre o tê-lo "esquecido" durante tanto tempo, isto é, durante o impasse criado pela proibição de escrever. Esse humorismo parece que foi também um meio engenhoso para evitar lamentações sobre o ocorrido.
 
11. Carta à Madre Maria de Jesus34
Foggia, maio de 1753.
Assunto e contornos: Deixar um posto de responsabilidade, ocupado por muitos anos, não é nada fácil. A Madre Maria de Jesus se encontra em tal situação, uma vez que a comunidade elegeu como nova superiora a Ir. Micaela de São Francisco Xavier. Geraldo se apressa em exortá-la a não se apegar a nenhum sentimento de tristeza ou desânimo: "Não se aflija, pois assim me aflige também". Ao contrário, é necessário que se empenhe em aproveitar todas as ocasiões para fazer o bem que pode em sua nova situação.
Madre Maria não deve duvidar de seu afeto fraterno. Este não se apoia no cargo que ela exercia antes, é a transparência do amor fiel a Deus. De sua parte, Geraldo está
NOTA
34) Summarium, 289-290
convencido da dificuldade da Madre Maria e por isso pede orações com insistência.
A graça divina encha o coração de V. Revma. e nossa Mãe Maria Santíssima lha conserve. Amém.
Gloria Patri, minha boa Madre em Jesus Cristo, que já foi eleita a nova Madre Priora! Quero que me faça a caridade de cumprimentá-la de minha parte, pois me alegro muito pelo seu novo cargo. Espero de sua Divina Majestade que com este cargo ela se torne uma grande santa. Amém. Quando Deus quiser, escreverei a ela, porque Deus o quer.
A senhora me pede para ir até aí. Sim, minha querida Madre, quando Deus quiser, irei de todo coração para consolá-la. Por isso, fique alegre e não se aflija, porque desta forma a senhora me aflige (1).
Diz a senhora, que agora, não sendo mais Priora, todos se esquecerão de V. Revma. Deus meu! Como pode dizer isso? E se alguma vez as criaturas esquecerem, não se esquecerá de V. Revma., o seu divino Esposo, Jesus Cristo. Pelo que me toca, nunca me esqueci, nem me esqueço de V. Revma. Desejaria que a senhora não se esquecesse de mim nunca, pois bem sabe o que quer dizer: fé, fé. (2)
Vamos, pois, grande ânimo no amar a Deus e no fazer-se grande santa, porque agora tem mais tempo que antes, pois não tem tantos trabalhos como antes.
Reze muito, muito, por mim, pois tenho grande necessidade espiritual e Deus sabe como estou aflito e desconsolado. Pois, se a senhora quer, pode ajudar-me junto a Deus. Faça-me esta caridade, pois Deus sabe o que é que eu desejaria dizer à senhora.
Cumprimente por mim as Irmãs Josefa, Teresa e Olivéria e toda a santa comunidade. Fiquemos intimamente unidos, transformados no ser de Deus.
De V. Revma.,
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Estou em Foggia para os nossos negócios.
Observações:
l) Pelo fim de abril ou princípio de maio de 1753 foi eleita Priora do mosteiro Ripacandida, Madre Maria Micaela de São Francisco, em substituição à madre Maria de Jesus. Esta escreveu a Geraldo dando-lhe a notícia e manifestando-lhe, ao mesmo tempo, o temor de, não sendo mais priora, ficar privada das orações de outros e de orientação e ajuda na sua caminhada interior, sempre cheia de hesitações, de uma parte, e de enleios místicos, de outra. Só Geraldo era capaz de compreendê-la e ajudá-la. Por isso, pedira a Geraldo fosse a Ripacandida. Esta carta é a resposta do Santo.
2) Aqui Geraldo recorda, à Madre, a comunhão de fé que os une na oração e, pela oração, na grande e única realidade, Verdade e Caridade: Deus.
 
12. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier
Deliceto, Santa Maria da Consolação, 11 de junho de 1753.
Assunto e contornos: Depois de ter escrito à Ir. Maria, Geraldo toma da pena para dirigir-se à nova superiora de Ripacandida. As felicitações e bons augúrios nascem do conhecimento da "santa eleição" com a qual Madre Micaela chegou a ser responsável pela comunidade. Trata-se de outra prova da estima de Geraldo por aquele mosteiro.
A vigilância à qual exorta a nova superiora, deve ser tal que permita a todas as irmãs ser "serafins do amor a Deus".
O pedido que Geraldo faz para que se lembrem dele em suas orações, vem acompanhado de uma expressão de delicadeza para com a Ir. Maria de Jesus, que revela profundamente a personalidade de Geraldo: "que ela esteja em seu coração".
Jesus e Maria
A graça divina encha o coração de V. Revma. e nossa Mãe Maria Santíssima lha conserve.
Minha querida irmã em Jesus Cristo,
há mais tempo queria escrever-lhe para satisfazer a minha obrigação. Não pude fazê-lo por falta de oportunidade. Agora posso e por isso lhe escrevo. (1)
Digo-lhe que muito me consolo com sua santa eleição para ser madre Superiora; peço ao Senhor a faça exercer em verdade este vosso cargo, a fim de poder cuidar, com uma atenção, de tantas esposas de Jesus Cristo; espero da Divina Majestade que lhe queira dar aquele espírito que deu àquele serafim de amor, que foi Santa Maria Madalena de Pazzi, serva e apaixonada de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, a fim de que, com tal graça e espírito, possa levar as supraditas esposas àquela perfeição que merece sua Divina Majestade (quanto for capaz, porém, a criatura), para que todas as senhoras se tornem outros tantos serafins de amor de Deus.
Minha Madre, peço-lhe por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima que não se esqueça de mim em suas santas orações e lhe rogo, mande por obediência a todas essas vossas filhas, rezem a Deus por mim, como eu faço por todas as senhoras.
Em breve estarei aí. Vou mandado pela vontade divina. Se quiser responder-me, faça como lhe agradar; pela sexta-feira há oportunidade na casa do senhor Dom Bento.(2)
Peço-lhe seja muito afetuosa com a Irmã Maria de Jesus, pois a senhora sabe que ela foi superiora das senhoras desde o início e as alimentou com o leite do amor de Deus.
Lembranças às Irmãs Maria Josefa e Maria Batista e a toda essa sua santa comunidade. Despeço-me, beijando estas santas paredes.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Observações:
1) Madre Maria Micaela de São Francisco era a nova priora do mosteiro de Ripacandida. Fora eleita, como já vimos, pelo fim de abril ou princípio de maio de 1753, em substituição à Madre Maria de Jesus. Com esta carta Geraldo a cumprimenta por sua 'santa eleição' e lhe deseja o espírito de santidade de Santa Maria Madalena de Pazzi, a fim de guiar as esposas de Cristo pelo caminho da perfeição.
2) Trata-se de Dom Benedeto Graziola, que morava em Atella, bem perto do mosteiro de Ripacandida, onde duas de suas filhas eram monjas. Tinha um filho redentorista, o padre Angelo Antonio Graziola. Era um homem rico. Muito amigo e benfeitor dos redentoristas e costumava hospedá-los em sua casa. Também Geraldo, quando ia a Ripacandida, se hospedava com ele. Daí que conhecia toda a família. Para Dom Bento era fácil mandar a correspondência a Deliceto.
 
13. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier35
Foggia, 11 de julho de 1753.
NOTA
35) Roma, Arquivo da Postulação Geral da C.Ss.R.; Summarium, 307-308
Assunto e contornos: Geraldo tem profunda estima pela vida religiosa. Esforçava-se para que todos os que eram chamados a esta vocação correspondessem com generosidade e empenho. Quando tinha conhecimento de uma jovem que desejava tornar-se santa, propunha-lhe imediatamente um dos mencionados mosteiros de Ripacandida ou Foggia, e se empenhava com todas as forças pelo ingresso nos mesmos, sempre e quando tivessem o dote suficiente. Quando encontrava uma aspirante bem intencionada, mas pobre de bens materiais, ele fazia todo o possível para ajudá-la, empenhando seus amigos para que colaborassem com alguma boa quantia para provê-la do dote necessário".36
A senhora Anunciação, a quem a Ir. Maria deve escrever, é a mulher de Dom Benedeto Graziola, de Atella. Sua casa está sempre aberta para Geraldo em suas viagens.37
Ele está convencido que as decisões que têm por fim a vocação não devem ser postergadas. Daí sua insistência com a Madre Micaela: "que esteja pronta, pronta e com muita solicitude".
Jesus e Maria
Prezadíssima Irmã,
escrevo-lhe de Foggia e às pressas. Deus meu, queria, afinal, saber o que acontece aí. Não sei nada, pois não recebi resposta a todas as minhas cartas. Creio que a senhora não tem papel para me escrever. Se é por isso, mande dizer-me, por caridade, que lhe mandarei um bloco de papel para isso, a fim de que me possa escrever depois. Agora, basta. Deus retribuirá a todas.
 
NOTAS
36) Caione 77-78
37) Cfr. Carta nº 5
Com o favor de Deus, consegui nova esmola para o fim já conhecido (1). Mas a senhora me deixa na dúvida: seja por amor de Deus.
Diga à Madre Maria de Jesus que escreva à senhora Dona Núncia (Anunciação): o que lhe custa dar uma boa esmola para o dito desígnio? Mas que seja em segredo para seu marido e que seja logo e com solicitude. E faça-lhe saber também que já foram feitas outras esmolas, para que ela também o faça.(2)
Se há cartas para mim, envie-me.
Estou mal (4). Lembranças a todas. Beijo-lhe as mãos.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Salvador.
Observações:
1) O fim já conhecido era a constituição do dote necessário para uma jovem que queria entrar em Ripacandida, onde já estava uma sua irmã, Sóror Maria Josefa. Geraldo, como sempre em tais circunstâncias, interessou-se pelo caso e procurava adquirir os fundos necessários para isso. O que ele queria era possibilitar à jovem a realização do seu grande desejo: consagrar-se totalmente a Deus.
2) Dona Núncia era esposa de Dom Benedeto Graziola, que já conhecemos. Geraldo, que conhecia bem a família, sabia que ele tinha plena liberdade de iniciativa no gerir os negócios de casa. Por isso pede que não se diga nada a Dom Bento. Talvez também porque já tencionava pedir a este um bom donativo, como se lê no bilhete seguinte. Seja como for, o certo é que Geraldo tinha boas razões para pedir segredo.
 
14. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier38
Data: Julho de 1753.
Assunto e contornos: Esta breve carta foi transmitida por Tannoia, sem indicação de data. Seu conteúdo, porém, permite que seja situada no mês de julho de 1753.
Apesar das dificuldades, Geraldo não deixa de tentar reunir o necessário para o dote da irmã da Ir. Maria Josefina. A confiança naqueles, que sabe serem seus amigos, permite-lhe não só estar certo de sua contribuição, mas ainda de fixar-lhes a quantidade.
Mande escrever a Dom Bento pedindo uma boa esmola, por intermédio de Maria Josefa; e o mesmo poderá pedir ao senhor Príncipe de Torella. Estaremos satisfeitos se a esmola do Príncipe e a dele for de cem ducados.(1)
Por escrúpulo, não posso fazer quanto quero; mas, tendo permissão do Padre Fiocchi, terminaremos o negócio. Escrevi também à Irmã Maria Francisca, em Muro, que pedisse uma esmola a seu irmão.
Observações:
l) Geraldo insiste no seu propósito de conseguir a quantia necessária para completar o dote da irmã Maria Josefa. Esses dois senhores, Dom Benedeto Graziola e o Príncipe de Torella, Dom Antonio Caracciolo, eram pessoas abastadas e bem poderiam dar uma boa soma para a aludida finalidade.
15. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier39
 
NOTAS
38) Tannóia, Vita 94.
39) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 293-294; SH, 8 (1960) 204 (fragmento)
Melfi, 21 de julho de 1753.
Assunto e contornos: Geraldo amargura-se com a resposta da Madre Micaela porque persistem as dificuldades na aceitação da irmã da Ir. Maria Josefina. Para formar o dote, ele continua pedindo e recebendo esmolas.
Conta sempre com a união de orações que o une à comunidade, especialmente agora que está "muito angustiado". Pede orações de modo particular à Ir. Celeste, uma das filhas de Dom Benedeto Graziola. Não falta um pensamento especial para Ir. Maria de Jesus.
Jesus e Maria
Minha Madre Priora,
respondo à sua estimadíssima carta, na qual entendi coisas que me causaram aflição. Seja feita a vontade de Deus!
Recebi três "zecchini" (1) para V. Revma.; quem os deu não quer que eu saiba; por isso, eu os tenho a meu juízo: se Deus quiser, mandá-los-ei à senhora.
Estou muito aflito; por isso, peço-lhe, reze muito por mim. Creio que V. Revma. também não se esquece de mandar as suas filhas rezarem a Deus por mim. Pelo que me toca, não me esqueço de V. Revma. Deus sabe como a amo em Deus: desejaria vê-la como um serafim cheio de amor a Deus, a fim de que o seu aspecto inflamasse todas essas vossas filhas.
Passe bem e conserve-se no puro amor de Deus. Deus nos abençoe. Amém.
Viva o Senhor Deus amado. Deus a proteja.
De V. Revma.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Saudações a Ir. Maria Celeste (do Espírito Santo); que ela não se esqueça de mim em suas santas orações, que eu não a esquecerei.(2)
Minha Madre, o que a senhora quer de mim, que está continuamente insistindo nas minhas geladas orações? Eu sempre lhe estou perto, pedindo-lhe que não se esqueça de mim.
Sinto muito que haja impedimentos para a irmã de Sóror Josefa. "Quis ut Deus?" (3)
Encarcere a Madre Maria de Jesus: diga-lhe que o merece. Quando Deus quiser, ver-nos-emos; agora Deus não o quis, porque estou... Deus o sabe.
Observações:
1) "zecchino" era uma pequena moeda de ouro.
16. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier40
Data: Julho/agosto de 1753.
Assunto e contornos: Diante das dificuldades do ingresso no mosteiro de Ripacandida da irmã da Sóror Maria Josefina, Geraldo não se dá por vencido. Faz contatos com a Madre Celeste Crostarrosa, em Foggia. A insistência serena e respeitosa com a Madre Micaela para viver da providência divina, a qual parece estar demasiadamente preocupada com o dote, vale por uma admoestação de Geraldo.
A respeito de trocar a finalidade das ofertas que tem recebido, a recusa é clara. Não se cumpriria o compromisso assumido. É um aspecto posterior daquela fidelidade e lealdade que Geraldo tinha em seu modo de agir. Daí seu desejo de encontrar-se pessoalmente com a jovem para falar com "suma sinceridade" e compreender melhor suas reais
 
NOTA
40) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 293-294: SH, 8, (1960), 204 (fragmento).
intenções. Tudo, porém, deve ser feito de maneira discreta, para se evitar qualquer mal entendido.
O fazer a vontade de Deus exige que se utilizem todos os talentos. Contudo, a simplicidade evangélica está sempre acompanhada da prudência. (cfr. Mt 10,16)
Jesus e Maria
Minha Madre Piora,
quanto às dificuldades que há para a irmã de Sóror Maria Josefa, a senhora me diz para me contentar com a vontade de Deus. Sim, senhora, tire-me esta e depois verá o que me resta.
E o dinheiro que está em meu poder, que arranjei com os amigos, a senhora me diz que o quer aí, em depósito, pois se ela não conseguir tornar-se Irmã, servir-lhe-ia para casar-se.
Que diz, minha madre? Isto só eu, e ninguém mais, o pode fazer, pois seria o mesmo que desacreditar a nossa Congregação, porque a quem pedi, pedi com a condição e a finalidade de fazê-la monja e não para casá-la. Se não conseguir isso, todo o dinheiro deve ser restituído àqueles a quem pertence. (1)
Mas espero em Deus que isto não seja necessário, pois estamos tratando de colocá-la no Conservatório das orfãozinhas de Foggia, já que lá se necessitaria de menos dinheiro e poderia acontecer com mais certeza. Ainda que sejam pessoas de condição, vivem, contudo, da divina Providência, rezam o ofício de Nossa Senhora e não há nenhuma distinção entre elas.
Ó Deus meu, desejaria tê-la aqui, essa filha, a fim de poder-lhe falar com toda a sinceridade. Desejaria ouvi-la falar dos seus desejos.(2) Assim é que as coisas vão bem, e bem depressa! Poderíamos mandar-lhe alguém com o propósito de que ela vá à casa da mãe Vitória, com o pretexto de ir
visitar São Teodoro. Mas não deve falar disso nem em Berilli, nem em Melfi, absolutamente com ninguém.
E se vier aqui, não deve falar absolutamente disso, nem na casa de onde vem, porque se falar fará com que eu seja criticado. Quanto à cavalgadura, seja providenciada, porque eu pagarei tudo aqui.
Viva Deus, ame a Deus.
De V. Revma.,
Indigmo. servo verdadeiro,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Se a senhora deseja fazer o que lhe disse acima, que seja logo amanhã cedo. Mas para que a coisa fique mais secreta, mande dizer pela sua empregada que não fale nada em sua casa, nem a ninguém, senão farei secar-lhe a língua. O nosso diretor a abençoa e eu também.
Observações:
1) Geraldo não se conforma com a idéia de Madre Maria Micaela de que, se o dinheiro arrecadado não bastasse para a jovem fazer-se monja, "servir-lhe-ia para casar-se". Ele tinha pedido o dinheiro "com a condição e o fim de fazê-la monja e não para casá-la". Se não conseguir isso, o dinheiro devia ser restituído aos benfeitores. Geraldo não queria ser desleal com eles.
2) O que mais admira é que Geraldo, longe de querer forçar a jovem a aceitar o que ele lhe propunha, queria que ela manifestasse livremente o seu desejo, e isto, num tempo em que as moças geralmente não tinham
liberdade de escolha: eram, em geral, simplesmente designadas pelos pais ou pelas respectivas famílias para o claustro ou para o matrimônio.
17. Carta ao padre Francisco Margotta41
Data: Final de 1753/início de 1754.
Assunto e contornos: Tannoia, que nos transmitiu esta carta, não nos deixou nenhuma indicação cronológica a seu respeito. Sabemos que Geraldo está em Deliceto, durante o superiorato do Padre Fiocchi, até abril de 1754. Ele conheceu as irmãs de Ripacandida em dezembro de 1751. A carta fala de três anos que a Ir. Maria Josefina lhe recomendou sua irmã. Por isso esta carta vem colocada entre 1753 e 1754.
Geraldo continua com seu empenho para formar o dote. Pede sem esmorecer, levado por verdadeira caridade: trata-se de realizar uma vocação. Exorta o Padre Margotta a fazer o mesmo.
Meu padre,
faz três anos que a Ir. Maria Josefa me recomendou sua irmã em Ripacandida. Nada posso fazer, porque não tenho liberdade; mas agora o senhor me impele a ajudá-la.
O Padre Fiocchi tem muito prazer nisso. Também quer me dar alguma esmola e quer que arranje outras. Mal abri a boca, já consegui cinqüenta ducados. O Senhor me faz achar todas as portas abertas. Pensei em colocá-la em Foggia, comprometendo-me com a priora em trezentos ducados.
Vamos, meu padre, peça a qualquer pessoa uma esmola, sem respeito humano; eu peço sem envergonhar-me. Veja com os senhores Berilli e com outros: o senhor pode tudo, se quiser.
18. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier42
 
NOTAS
41) Tannóia, Vita 94-95.
42) Ibidem, 96-100
Data: Verão de 1753.
Assunto e contornos: Tannoia anota: "falta a maior parte da carta, porque se perdeu".43 Entretanto, o que sobrou pode fazer-nos compreender como Geraldo vê o ministério da autoridade e da comunidade religiosa.
Ele, como já vimos nas cartas precedentes, está sempre disposto a ajudar o mosteiro. Sua preocupação principal, porém, é a autenticidade da vida religiosa. Por isso com toda a liberdade, não vacila em dar seus conselhos sobre a maneira de conduzir a comunidade.
Em primeiro lugar, é necessário que a superiora veja o encargo a ela confiado como desejado por Deus: em tudo "se deve conduzir pelo espírito de Jesus Cristo". Daí a insistência sobre a humildade, a solicitude cuidadosa para cada uma das irmãs e, sobretudo, a verdadeira prudência. Está convencido de que "porque se falta com a prudência, existem por isso problemas em algumas casas religiosas" .
Minha Madre Priora,
tenha compaixão de mim, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, se não a servi imediatamente, enviando-lhe o regulamento que V. Revma. me pediu, dominado como estou continuamente pela minha costumada preguiça. Seja feita a vontade de Deus; e agora, se lhe escrevo com pressa, perdoe-me, por caridade.
Primeiramente, a madre priora, que está no lugar de Deus, deve cumprir seu ofício com grande retidão, se quiser agradar ao seu supremo Senhor, que a tem em seu lugar.
Esteja cheia de prudência infinita e em todas as suas coisas deve guiar-se pelo espírito de Jesus Cristo.
Deve estar cheia de delicadas virtudes e de bons exemplos e não causar às suas filhas um mínimo sequer de admiração. Deve ser um vaso puro, cheio de santas virtudes,
 
NOTA
43) Ibidem, 100
para que saiam todas as virtudes para assim comunicá-las às suas filhas, a fim de que todas cresçam com as virtudes da madre.
A superiora deve ter continuamente em vista a sua baixeza, considerando que não pode agir senão mal; que no ofício em que se encontra, Deus a colocou por sua bondade, pois há tantas outras que poderiam exercê-lo e dar a Deus maior prazer; que, por isso, deve humilhar-se, considerando as suas imperfeições e compadecendo-se dos defeitos das outras.
Deve desempenhar o seu ofício inteiramente cheia do amor de Deus e não aborrecê-lo como coisa que não lhe fosse dada por Deus; deve pensar que Deus lho preparou desde toda a eternidade. Por isso, deve cumpri-lo com suma perfeição angélica, conformando-se em tudo à divina vontade e permanecendo indiferentíssima nesse encargo, sem apegar-se a ele.
Em coisas que lhe causam confusão, isto é, não sabendo resolver como agir nesta ou naquela coisa, deve aconselhar-se com pessoa iluminada por Deus. Resolvido o caso deve colocar-se ante os olhos a glória de Deus e executá-la sem olhar para outra coisa. Por Deus devemos arriscar o sangue e a própria vida, pois a causa é de Deus.
Por amor do mesmo Deus deve desprezar especialmente a estima própria, como se não a tivesse.
Quem é superiora deve gravar na mente só isto e dizer: Deus me quer neste estado e por isso devo fazer em tudo sua santa vontade; devo cuidar de todas; devo servir a todas; devo aconselhar e ensinar a todas; devo consolar a todas; devo satisfazer a todas. Devo dar a todas sempre as coisas melhores e servir-me sempre da pior, a fim de dar gosto a Deus. E, finalmente, devo sofrer tudo, para gozar da santa imitação do meu querido Esposo divino Jesus Cristo.
O pensamento da superiora deve ser uma contínua roda, girando para pensar nas necessidades das suas filhas. Há de
amar a todas puramente em Deus, sem distinção alguma. Deve pensar que as suas filhas não podem conseguir aquilo de que têm necessidade, se não lho dá a santa obediência. Por isso, não deve pensar em nada a respeito de si mesma, mas todo o seu pensamento deve ser a respeito de suas filhas. Quando ganha alimento, hábito ou outra coisa qualquer, não deve tomá-los para si, se antes não tiver contentado as outras.
Deve mostrar confiança em todas, mormente quando vê que alguma não lhe tem toda a confiança. Então, deve empregar toda a força e toda a prudência, a fim de ganhar-lhe o coração, demonstrando-lhe um semblante alegre, ainda que não o sentisse interiormente. E deve fazer toda a força para vencer a si mesma por amor a Deus. Se não fizer assim, demonstrando-lhe familiaridade de mãe, aumentará, decerto, a perturbação da sua filha e esta, vendo-se desprezada, poderá entregar-se ao desespero ou, ao menos, não avançará no amor de Deus, porque lhe está continuamente no coração esta raiz. Pois a isso estão sujeitas as mulheres.
Dela (da superiora) exigem-se fortaleza e doçura. Já que está no lugar de Deus, a priora deve fazer-se obedecer e deve castigar as desobedientes, que não querem ouvir a voz de Deus; mas castigá-las com prudência.
Começa-se a correção com doçura. Com isto produz-se tranqüilidade que lhe faz conhecer o erro. Por exemplo, a correção deve ser feita desta maneira: "Você é indigna e não podemos mais suportar sua indignidade, nem eu, nem tantas boas almas que a conhecem como tal. Deus meu, que poderei fazer com esta alma imperfeita! Minha filha, você não vê que, com seu mau exemplo, você escandaliza tantas almas santas? Teria sido melhor que você tivesse ficado no mundo e não tivesse vindo ocupar este lugar, que teria sido ocupado por outra e que agora ter-se-ia tornado santa. Digo-lhe isto e o devo dizer porque sou uma mãe para você. Deus sabe quanto a amo e lhe quero bem e quanto desejo a sua
santificação. Resolva-se, minha filha, a fazer-se santa e prometa a Deus que você quer acabar com essas suas imperfeições. Faça assim e verá que a posso ajudar e dirija-se a mim com confiança de filha".
Creio que, quando se faz a correção desta maneira, a filha recorre à madre, e a madre, demonstrando-lhe confiança, pode esclarecê-la e fazê-la caminhar pelo verdadeiro caminho da perfeição.
Faz-se mais bem com a doçura, quando é preciso, do que com a aspereza. A aspereza traz consigo perturbações e tranqüilidade e anima as filhas a amar a Deus.
Se todas as superioras agissem desta maneira, todas a súditas seriam santas. Há tantas perturbações em algumas casas religiosas, porque se falta à prudência. Onde há perturbação, está o demônio, não está Deus.
***
Analisando o regulamento, Capone-Majorano sintetizaram-no nestes pontos:
1. Princípio fundamental:
Deus me quer neste estado (superiorato) e por isso devo fazer em tudo sua vontade, conformando-se em tudo ao divino querer. Permanecer no cargo indiferentíssima, sem apegar-se a ele.
2. Critério fundamental no modo de agir:
Deixar-se conduzir em todos os assuntos conforme o espírito de Jesus Cristo.
3. Virtude essencial da superiora:
Quem é superiora deve ver continuamente sua baixeza e que não poder fazer senão o mal; que foi colocada no cargo pela bondade de Deus porque há outras pessoas que poderiam cumpri-lo melhor e dar maior gosto a Deus; e que por isso, em vista de suas imperfeições, dever ser
profundamente humilde e perdoar os defeitos das outras irmãs.
4. Uma espécie de decálogo:
Não são 10, mas 13 seus deveres:
Deus me quer neste posto e por isso:
- devo fazer em tudo a vontade de Deus;
- devo zelar sobre todas;;
- devo servir a todas;
- devo aconselhar e ensinar a todas;
- devo consolar a todas;
- devo contentar a todas;
- devo dar sempre a todas as melhores coisas e servir-me sempre das piores para dar gosto a Deus;
- e finalmente devo sofrer em tudo para assemelhar-me com meu esposo Jesus Cristo;
- não deve pensar em si mesma, mas pensar nas suas filhas;
- quando lhe servem alimento, roupas ou outra coisa, não as deve tomar, se ante não contentou as outras;
- deve despertar confiança em todas;
- estando a piora no lugar de Deus, deve-se fazer obedecer;
- deve castigar as desobedientes, mas com prudência.
5. O pensamento da superiora deve estar sempre em favor das necessidades de suas filhas. Deve amar a todas em Deus.
6. A superiora deve estar cheia de infinita prudência.
19 - Carta a uma religiosa
Ruvo, 1º de outubro de 1753
Assunto e contornos: Não conhecemos a destinatária deste breve bilhete. Seu tom permite-nos supor, com alguma
probabilidade, que se trata de uma da filhas de Dom Benedeto Graziola, religiosa em Ripacandida.
A santidade irradiante de Geraldo faz com que, na casa de seus amigos, sua presença seja um consolo. Mas, para ele também o é comunicar-se com tantas servas de Deus. E está feliz por poder condividir tudo com quem sabe tirar disso novos estímulos para o bem.
Viva o nosso amado Deus!
Caríssimo em Cristo,
estive uma noite em sua casa, porque o senhor seu pai me pediu que eu consolasse a todos de sua distinta casa. Eu o fiz e fiquei muito consolado por ter falado com tantas servas de Deus.
Reze por mim, pois não me esqueço de V. Revma. E permaneçamos em Deus.
De V. Revma. indigmo. irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Ssmo. Redentor
20. Carta à Ir. Maria de Jesus44
Data: Meados de 1753
Assunto e contornos: A carta está sem data. Com toda probabilidade deve-se colocá-la no verão/outono de 1753: o estado de ânimo de Geraldo parece o mesmo descrito na carta de 21 de julho à Madre Micaela; também a referência que faz dela nessa carta.
O "queixar-se" de Geraldo quer ser mais um estímulo do que uma repreensão. Com a jovialidade que lhe é caraterística, insiste para que não falte à troca ou comunhão
 
NOTA
44) Summarium, 306-307
de orações. Da fidelidade de Geraldo, apesar de todas suas dificuldades, Madre Maria não deve duvidar.
Jesus + Maria
Recebi a sua estimada carta, com a qual muito me lamento: primeiro, porque a senhora me escreve tão friamente; depois, porque sempre me diz que não rezo por Vossa Reverendíssima à sua Divina Majestade.
Minha irmã, Deus o sabe e vê o meu íntimo! No entanto, a senhora não vê o afeto, porque Deus não ouve as minhas orações por causa da minha grande indignidade.
Diga-me, pois, o que quer que eu faça a respeito disso; mas não me diga mais que me esqueço de rezar por Vossa Revma., porque seria falar contra a fidelidade.
Saudações minhas à madre Priora e diga-lhe que hei de fazer as contas com ela, já que ela não quer rezar a Deus por mim. Muito bem, muito bem, estou bem informado sobre sua pessoa. Dessa maneira Vossa Revma. caçoa de mim (1). Reze sempre por mim e, se não o fizer, prestará grandes contas a Deus.
De Vossa Revma.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Observações:
1) Não se sabe o que Geraldo quer dizer com isso. Parece, que é um repente espirituoso do gênio jovial de Geraldo, como o é o que ele diz em seguida: que ela "dará grandes contas a Deus", se não rezar por ele.
21. Carta à Ir. Batista da Santíssima Trindade45
Data: Segunda metade de 1753
Assunto e contornos: O denso, porém, breve bilhete à Ir. Batista da Santíssima Trindade, 18 anos, religiosa em Ripacandida, não tem uma data certa. Talvez seja do verão/outono de 1753, dado que Geraldo estava perto de Ripacandida e seu estado de alma parece ser o mesmo das cartas desse período.
Geraldo não tem podido encontrar-se com a Ir. Batista no locutório do mosteiro, possivelmente por causa de uma doença da irmã. Mas não deixa de lhe dar uma palavra de exortação e coragem. A compaixão com sua enfermidade está valorizada pela certeza de que ela a tem vivido à luz da cruz de Cristo. Tudo isto é possível quando não se perde de vista que "o centro" consiste em dar-se totalmente a Deus e conformar-se com sua vontade.
Irmã minha em nosso amado Jesus Cristo,
desagrada-me muito a sua enfermidade. Ao contrário, consolei-me muito mais, porque a senhora tem sofrido bastante pelo nosso caro Deus (1).
Conformemo-nos, minha irmã, com a vontade de Deus nisto, que sua Divina Majestade não quis permitir que a senhora viesse falar comigo. Pois o centro do verdadeiro amor de Deus consiste em estar toda entregue a Deus e sempre conformada em tudo com a sua divina vontade e aí permanecer por toda a eternidade.
Estejamos atentos, minha irmã, a não cometer jamais faltas voluntárias, que causam muito desagrado a Deus.
 
NOTA
45) Summarium, 296-297; SH, 8 (1960), 204 (fragmento)
Reze a Deus por mim, que não sou mais homem, mas um homem transformado em animal, porque me deixo vencer e arrastar por minhas próprias paixões (1).
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Observações:
1) É evidente que é a profunda humildade de Geraldo que o faz exprimir-se desse modo. Usa de termos duros para consigo mesmo. É que amava tanto os homens que sentia como se fossem seus os pecados do próximo. Por isso diz que está "transformado em animal" e pede à irmã reze pela sua "conversão". De Cristo está escrito: "Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós" (2Cor 5,21). Geraldo se identifica plenamente com Cristo.
22. Carta à Ir. Batista da Santíssima Trindade46
Data: Segunda metade de 1753
Assunto e contornos: Este breve bilhete é transmitido por Tannoia sem nenhuma indicação de data. É possível colocá-lo no mesmo período que o precedente, uma vez que a disposição de alma de Geraldo e a situação pessoal da irmã parecem os mesmos.
Quando se lê com olhos da fé, tudo chega a ser um motivo para se unir a Deus: também o nome. Desenrola-se, então, a comunhão com os outros e o apoio mútuo da oração, fonte de esperança certa.
Minha irmã,
 
NOTA
46) Tannóia, Vita 92
recomendo-me a Deus e agora mais do que nunca, pois tenho muitíssima necessidade.
Não me esqueço de Vossa Revma., porque o seu sobrenome, que é "da Santíssima Trindade", faz-me sempre Deus presente e me leva a Deus.
Minha irmã, Deus sabe quanto a estimo, porque a senhora é uma esposa fiel de Jesus Cristo. Ame a Deus de coração e faça-se santa; e não importa que sofra. Coragem, sofra por Deus, que os seus sofrimentos lhe serão aqui na terra um segundo paraíso.(1)
Observação:
1) Sabemos que Geraldo amava a todas em Deus; sentia, contudo, especial atração por aqueles que procuravam sinceramente santificar-se, imitando do melhor modo a Jesus Cristo. É nisto que ele via a perfeição da vida, a verdade da vida humana. Com Cristo, o homem torna-se cada vez mais homem, pela semelhança com Aquele que, além de ser Deus, é o modelo mais acabado do homem.
23. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo47
Data: Março de 1753 ou abril de 1754
Assunto e contornos: Ao transmitir-nos esta carta, Tannoia "nos diz que Geraldo a escreve para uma noviça de Ripacandida". Ferrante sugere como mera probabilidade que se trata da Ir. Maria Celeste do Espírito Santo. É muito provável, uma vez que ela fará a profissão em outubro de 1754... Deve-se colocar esta carta entre março de 1753 a abril de 1754".48
 
NOTAS
47) Tannóia, Vita 139-142
48) Capone-Majorano, Le Lettere 121; Cf. N. Ferrante, Storia meravigliosa di S. Gerardo Maiella, Roma, 1959, 258
As dificuldades a respeito da vocação da noviça levam Geraldo a tecer um hino à beleza da vida religiosa, e em insistir sobre "os perigos do mundo". As opções decisivas da vida devem ser tomadas tendo-se presente estas perspectivas: Deus e a eternidade. E a fidelidade à própria vocação, qualquer que seja, deve ser vista como um elemento fundamental da vida cristã.
Minha irmã em Jesus Cristo,
venho dizer-lhe, da parte do meu amado Deus, que se deixe ficar numa sólida e santa paz, porque tudo é obra do demônio para afastá-la desse santo lugar.
Minha filha, fique firme, pois o iníquo enganador é cheio de invejas e de embustes; se a senhora continuar aí, desagrada-lhe, pois quer impedir-lhe a santidade. Todos fomos tentados contra a vocação; é Deus quem manda as tentações para ver a nossa fidelidade. Por isso, continue alegre e ofereça-se sempre a Deus sem reserva, que Ele a ajudará.
Como é possível que Vossa Caridade queira esquecer os belos propósitos que fez tantas vezes, tendo-se oferecido e pedido a Jesus Cristo para ser sua esposa? Se, portanto, o desejava então, por que o quer recusar agora?
Minha irmã, quem lhe poderá dar paz, senão Deus? Quando foi que o mundo saciou o coração humano, mesmo o duma princesa, duma rainha ou duma imperatriz? Não se ouviu ainda, não se leu em nenhum livro; o que só sabemos é que o mundo semeia espinhos e abrolhos no coração delas e que, quanto mais ricas, honorificadas e estimadas eram, tendo uma vida toda cheia de satisfações, tanto mais atormentadas eram no seu íntimo.
Que quer que eu diga? Desejaria mandá-la falar com aquela que está mais contente com mundo, para ver se elas são em verdade aquilo que aparece no exterior! Mas creia em
mim, que tenho grande experiência: que coisa má é viver no mundo! Deus a livre, minha irmã. Deus lhe quer bem; por isso permitiu que fosse tentada para experimentar-lhe a fidelidade.
Alegria, pois e muito ânimo! Vença qualquer tentação com a generosidade, declarando-se sempre esposa do muito grande Senhor Jesus Cristo.
É belo ser esposa de Jesus Cristo. Nele se encontra toda felicidade, toda paz, todo bem. De que servem as breves aparências do mundo, comparadas à celeste e eterna beatitude que goza no céu quem se desposou com Jesus Cristo! Não digo que quem vive no mundo, não se possa salvar; mas digo que estão em contínuo perigo de perder-se; nem se podem santificar com tanta facilidade como no convento.(1)
Peço-lhe que considere a brevidade do mundo e a longuidão da eternidade; e que reflita que tudo passa. Tudo passa para quem viveu no mundo: como se nunca tivesse estado no mundo. Portanto, de que serve apoiar-se no que não pode manter-se? Oh! todas essas coisas que não nos levam a Deus, todas são vaidades que não nos podem servir para a eternidade. Pobre daquela que confia no mundo e não em Deus.
Peço-lhe, minha irmã, vá um momento ao cemitério, onde estão encerrados os ossos de tantas santas religiosas desse mosteiro; e reflita sobre o que teriam achado, se tivessem sido as maiores do mundo. Oh! quão vantajoso lhes foi ter vivido pobres, mortificadas, desapegadas e encerradas nesse pequeno mosteiro! Talvez não tenha sido pouco para elas o que sofreram. Que paz não sentiram no momento da morte, vendo-se morrer na casa de Deus! Cada um de nós desejaria ser santo na hora da morte: mas então não se pode; aquilo que se fez por Deus, só isso é que se encontra.
Se a tempestade não passou, tenho tanta fé e tanta esperança na Santíssima Trindade e em nossa Mãe Maria, que Vossa Caridade há de tornar-se santa aí. Não me faça
passar por mentiroso. Calque aos pés a cabeça da grande besta infernal, que se esforça por expulsá-la desse santo lugar. Despreze-a: diga-lhe que a senhora é esposa de Jesus Cristo, para que ela o tema. Fique alegre, ame a Deus de coração, dê-se a Ele sem recusa e faça o demônio arrebentar-se e morrer.
Reze por mim, que o faço pela senhora.
Observação:
1) Geraldo não nega que alguém possa se santificar fora do convento. Ele afirma somente que é mais difícil, sobretudo para quem se sente chamado à vida religiosa. Ele vê as coisas concretamente; no mundo há maior perigo de se perder a graça de Deus e, assim, condenar-se.
A propósito Capone-Marojano fazem este comentário: "Quando Geraldo escrevia não expunha uma doutrina geral, falava tendo diante de si uma realidade concreta: a alegria que nascia do fervor das verdadeira filha da grande senhora qual foi Santa Teresa de Jesus. Para ele, era uma grande perda abandonar tanta felicidade para aventurar-se em outro gênero de vida que, certamente no caso concreto, era perder juntamente a felicidade e a santidade.
É verdade que no passado julgou-se dever denegrir o estado laical e o estado matrimonial para exaltar o estado da vida consagrada. Foi um erro. O Concílio Vaticano II quer fazer-nos compreender que o estado matrimonial é um estado de grande valor, e se, confirmado e elevado à condição de sacramento, é também um estado de santificação, sem se exigir por isso alienações que mortifiquem o amor conjugal. Isto é verdade, como igualmente é verdade, que a cultura de hoje faz todo o possível para aviltar o matrimônio, como se fosse uma maneira de realização pessoal egoísta. Isto prejudica todos os matrimônios sérios
24. Carta à Ir. Maria de Jesus49
Data: Primeiros meses de 1754
Assunto e contornos: É um grito de ajuda à Ir. Maria. O nome da irmã está indicado na margem inferior. A comunhão que se reflete no texto é a mesma apresentada nas demais cartas dirigidas à religiosa de Ripacandida. A data não é certa. A indicada é sugerida por Capone, que se apoia na evolução espiritual de Geraldo nesse período. Além disso, sabemos que, no mês de setembro de 1754, Ir. Olívia já havia falecido.50
"Vejo-me completamente abatido e num mar de confusão, quase perto do desespero". E a razão fundamental é que parece estar sofrendo abandonado por Deus. Radicaliza-se em Geraldo o processo de assimilação ao crucificado para a salvação dos irmãos. É muito mais profunda do que aparece nos testemunhos do processo de beatificação: "Geraldo mostrava-se quase sempre alegre até em suas mais penosas enfermidades: e somente se mostrava cheio de dor e como que abatido nos dias da Paixão de Jesus Cristo, meditando os sofrimentos do Redentor".51
Deus meu, tende piedade de mim!
Ah! minha madre! Como graceja assim comigo? Sabe por que me escreve desta maneira? Para causar-me maior aflição pelos meus pecados.
Vossa Revma. está alegre; por isso é que sempre graceja comigo. O que quer que eu faça? Assim agrada a Deus e eu me comprazo muito com a sua felicidade. Deus a mantenha e a conserve em V. Revma., que é tão querida de Deus.
 
NOTAS
49) Summarium, 309
50) Capone-Majorano, Le Lettere 125-126
51) Summarium, 69.
Assim é o dia de hoje: um sobe e outro desce! Eu desci de tal forma que creio não haver mais solução para mim! E creio que as minhas penas hão de ser eternas. Mas não me importaria que fossem eternas: basta que eu amasse a Deus e em tudo isso desse gosto a Deus! É este o meu sofrimento: creio sofrer sem Deus (Questa è la mia pena: che mi credo che io patisca senza Dio!).
Minha madre, se a senhora não me ajuda, são grandes as ameaças para mim. Pois me vejo todo abatido e num mar de confusão: quase perto do desespero. Creio que para mim não existe mais Deus! E sua divina misericórdia acabou para mim!, mas só permanece sua justiça sobre mim!
Veja e considere em que estado miserável eu me encontro! E, se verdadeiramente a santa fé está conosco, então é tempo de ajudar-me e de rezar com toda a força a Deus por mim miserável. Peço-lhe que tenha piedade de minha alma, pois já não tenho mais cara (faccia) de aparecer diante das criaturas.(1)
Saudações minhas é madre priora, a Maria Madalena, Josefa, Batista, Olivéria, Maria do Amor Divino, Teresa e a toda comunidade.
De Vossa Revma.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Observação:
1) Geraldo sublinha per me miserabile (por mim miserável). Ele, dizem Capone-Majorano, "não só não tem mais coragem de estar na presença de Deus, mas nem seque diante das criaturas. Como então? Eram tantos os pecadores ou pessoas frívolas que ele, por mérito do Padre Fiocchi, grande missionário redentorista, podia aproximar e converter verdadeiramente! Entretanto, Geraldo tinha vergonha de comparecer assim, sentindo-se miserável! E, convém notar,
não só diante dos homens, mas também 'diante das criaturas'. Visão cósmica sofrida por ele quase até ao desespero. Visão e experiência da carga cósmica do pecado; visão que Geraldo pode ter: ele tem olhos e pode ver, e nós, no entretanto, temos viseiras, e, pior, vendas nos olhos. Se Deus tirasse dos olhos esta viseira, veríamos em todo lugar paraíso, debaixo destas pedras, debaixo daquelas está Deus. Nós, ao contrário, como já notamos, por força da ciência, dizemos que debaixo da pedra estão os vermes, somente os vermes. Depois, como cosmonautas andamos no céu e anunciamos ao mundo que não temos encontrado Deus! Disseram isto não só os cosmonautas comunistas, mas todos aqueles que varrem do céu os valores perenes, o céu o Ressuscitado. E dizem: é um mito.
Não, a verdade é aquela de Geraldo: todas as criaturas estão imersas em Deus; por isso, vendo-se carregado de pecados, e daí miserável 'não tem cara para comparecer diante das criaturas'! Grande respeito de Geraldo pelas criaturas, pela natureza; a natureza que a civilização urbana de sua terra, daquela pobre Itália, lhe havia ensinado a amar e respeitar. Sobretudo grande respeito pelos homens que são a cabeça de todo o ser criado. Por esse motivo, ele se empenha em purificar a terra, a cidade, as consciências. Para esse trabalho recorre até ao milagre; e, até chega a dizer a Deus que faça a sua vontade: a vontade de Geraldo!"
Aqui, me parece, estar a grandeza e a atualidade de São Geraldo".
25. Carta à Ir. Maria de Jesus52
Data: Antes de março de 1754
 
NOTA
52) Tannóia, Vita 91
Assunto e contornos: Este recado para a Ir. Maria nos foi transmitido por Tannoia, sem precisar a data. Geraldo se refere a Luís Mercante, penitente do Padre Fiocchi, que o Ir. desejava que se fizesse redentorista. A 24 de março de 1754, escrevendo à mesma Ir. Maria, Santo Afonso se queixa da falta "desde muito tempo" de notícias sobre Luís Mercante, e conclui: "com certeza ter-se-á arrefecido (no desejo de ser redentorista)".53 A carta de Geraldo não pode ser posterior a esse tempo, pois diz que "nosso querido Dom Luís suspira por Jesus Cristo".
O nosso caro Dom Luís(1) não pode achar sossego; anseia por Jesus Cristo. Viu-se todo imerso em Deus, nem pode separar-se de Jesus Cristo; considera o mundo um nada e vê todas as criaturas em Deus; ama a Deus e se transforma em Deus. Mais que isso não lhe posso dizer.
Observação:
1) Trata-se de Dom Luís Mercante, auditor do tribunal de Lucena, penitente do Pe. Fiocchi. Ir. Maria de Jesus o animava a entrar na Congregação redentorista. Geraldo que acompanhava a vida espiritual do jovem não alude à uma eventual vocação redentorista de Dom Luís, mas diz somente "que anseia por Jesus Cristo".
26. Carta a uma religiosa54
Data: sem data
Assunto e contornos: Ao transmitir esta breve carta, Tannoia não nos oferece dados nem para sua data nem para individualizar melhor a pessoa a quem foi dirigida. Deve
 
NOTAS
53) Lettere di S. Alfonso Maria de Liguori, I, Roma 1887, 248; Cf. Capone-Majorano, Le Lettere 137.
54) Tannóia, Vita 142
tratar-se de uma religiosa que sofria de escrúpulos. Este bilhete nada mais é do que um encorajamento para uma religiosa que sofria de escrúpulos
Voltam, de maneira insistente, as recomendações habituais de Geraldo: "alegremente", "com confiança". Não se deve deixar espantar pelas dificuldades. A certeza da presença de Maria permite vencer qualquer obstáculo.
Permaneça com muita alegria e não se deixe deprimir... Isto que sofre não é motivo de estar afligida, mas antes de se humilhar diante de Deus e de confiar muito mais na sua divina misericórdia. Ficar remoendo as coisas que me escreve, é obra do maligno, para fazê-la perder tempo. (1) Viva precavida e a cada momento se fie e confie em Maria Santíssima, a fim de que ela a assista e, com seu poder abata, qualquer inimigo seu.
O que a senhora sofre não é motivo para ficar aflita, mas, sim, para fazer com que se humilhe diante de Deus e confie sobretudo na sua divina misericórdia.
***
Observações:
1) É uma conclusão luminosa e também muito humana: ficar refletindo sobre escrúpulos é "perder tempo". Portanto, "fique alegre; confie em Deus". E assim se fará santa".
27. Carta ao Pe. Caetano Santorelli55
Data: Abril de 1754
Assunto e contornos: Estamos na semana da Páscoa(14-21 de abril). Geraldo está prestes a ir a Pagani, para onde foi chamado por Santo Afonso, por motivo da
 
NOTA
55) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 294-295
calúnia de Nerea Caggiano. Apesar disso, toma da pena para escrever a Caetano Santorelli, sacerdote de Caposele, conhecido por ele poucos meses antes, o qual lhe abriu a consciência cheia de perplexidade e de escrúpulos que acabaram bloqueando-o em sua ação pastoral.
Para acalmar o Padre Caetano, Geraldo assume um tom de autoridade: "da parte de toda minha Santíssima Trindade e da 'mama' Maria Santíssima". Lembra-lhe do Regulamento que, ele, humilde irmão leigo, lhe traçara. Os escrúpulos, seja no passado como no presente, não devem inibi-lo em seu ministério sacerdotal, sobretudo ao atender as confissões: "é suficiente que fique firme na vontade de não ofender a Deus".
A respeito de si mesmo, Geraldo se limita a pedir orações, "porque tenho muita necessidade".
Jesus + Maria
A graça do Espírito Santo esteja sempre na alma de Vossa Revma. Nossa Mãe, Maria Santíssima lha conserve. Amém. Escrevo-lhe às pressas.
Meu caro e veneradíssimo senhor Dom Caetano,(1)
com grande consolação recebi uma carta sua, que muito prezo. Agradeço-lhe a grande caridade que teve para com aquele servo de Deus: Deus lho retribua, como já sei com certeza.
Ouça-me e ouça com muita atenção o que lhe digo; tal qual lhe digo de parte de toda a minha Santíssima Trindade e de nossa Mãe Maria Santíssima. E faça com que esta seja a última resposta que recebe de mim, nem lhe falarei nunca mais assim como lhe falo agora.
Quanto aos escrúpulos da vida passada, a sua consciência foi mais de uma vez bem examinada, como sei. Por isso, Vossa Revma. não pense mais nisso. As suas angústias e dúvidas são todas arte do inimigo infernal, que procura fazer-lhe perder a bela paz da sua consciência. Por
isso, não dê mais ouvidos a tal sugestão: repila-a como verdadeira tentação. Procure conservar a verdadeira paz interior, a fim de que possa avançar mais e mais na santa perfeição.
A respeito do regulamento que deseja, sirva-se Vossa Revma. daquele primeiro que lhe dei e não de outro.
Sobre o contínuo escrúpulo que sente quanto ao ministério das confissão, digo-lhe em verdade que esta sua aflição é uma grande tentação para fazê-lo abandonar a obra de Deus que lhe foi destinada "ab aeterno" para o seu maior proveito espiritual. Tenha cuidado!
Da parte de Deus lhe digo: não consinta nunca em tal tentação, porque, se V. Rev.ma. deixasse de confessar, isso lhe seria uma grande ruína e um impedimento na vida espiritual. E se deixasse de fazê-lo, Deus não lhe daria o grande prêmio futuro. Seria o mesmo que não fazer a vontade de Deus.
Repito que é vontade de Deus que V. Rev.ma. trabalhe com grande zelo na vinha do meu Senhor e não duvide do que sói acontecer na confissão. Basta que esteja firme a vontade de não ofender a Deus; e não se importe com o resto.
A respeito da doutrina, Deus lhe deu quanto precisa para seu ofício.
Quanto à vinda de V. Revma. e Dom Nicola aqui, não a acho conveniente, porque estou para viajar a Pagani, como me diz o superior.
Agradeço-lhe a afeição que me tem, contra o meu merecimento.
Peço-lhe quer reze sempre a Deus por mim, pois preciso muito.
Bendita seja sempre a bondade divina que suporta tantas misérias minhas.
Reverencio todos de sua casa e Dom Nicola. Termino abraçando-o "in corde Jesu" e beijando muito
respeitosamente as sagradas mãos, como também o faço com Dom Nicola.
De Vossa Revma.
Indigmo. servo vil e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela,
do meu amado Redentor.
1) Geraldo, embora fosse um simples irmão leigo, era um exímio diretor de consciências. E não eram só religiosas que lhe pediam conselhos; sacerdotes e leigos recorriam também ao humilde irmão, a fim de que os esclarecesse nas dúvidas do espírito. Dom Caetano Santorelli, sacerdote de Caposele, foi um deles. Fazia alguns meses que se conheciam e Santorelli, intuindo-lhe a santidade e sabedoria, se abrira a ele. Recobrou a paz. Mas, algum tempo depois, voltando-lhe outra vez os escrúpulos sobre a vida passada e as confissões que ouvia, escreveu a Geraldo, pedindo-lhe conselho. A resposta do santo é esta luminosa e admirável carta.
28. Carta ao Pe. Francisco Garzilli56
Data: Sem data
Assunto e contornos: Ao transmitir-nos esta carta, Tannoia não nos oferece elementos para determinar sua data. A motivação e o conteúdo são idênticos à anterior. Também o Pe. Francisco Garzilli, sacerdote e 36 anos mais velho do que Geraldo, vive um período de escrúpulos. E por pensar neles e remoê-los, corre o risco de envolver-se neles ainda mais.
 
NOTA
56) Tannóia, Vita 143.
Geraldo convida-o a não dramatizar: é um jogo com o qual Deus nos quer fazer conhecer que tudo vem dele. Por isso, deve-se estar alegre. A confiança e a esperança em Deus devem ajudar-nos a aceitar também nossas limitações e fazer-nos entender que "os santos não foram puros espíritos na terra".
A divina graça encha o coração de Vossa Revma. e Maria Santíssima lha conserve.
Meu caro padre,
sinto muito prazer e satisfação com a brincadeira que sua Divina Majestade faz com V. Rev.ma.; esperemos que Ele queira conceder-lhe ótima vitória.
Ora, vamos, não tenha mais receio, mas fique alegre, pois Deus está com V. Rev.ma. (1) espero que não o abandonará.
Vossa Revma. duvida das suas confissões: é uma pequena mortificação que Deus lhe quer dar, mantendo-o angustiado. Diz-me V. Revma. que julga em causa própria. Pois bem! Deve ter forçosamente este pensamento. Se não fosse assim, não sentiria angústia. É isso que sua Divina Majestade costuma fazer-lhe conhecer que tudo vem dele. Se a alma de V. Rev.ma. tivesse conhecimento de que tudo vem de Deus, certamente não teria mais angústias; pelo contrário, tudo isso lhe seria um paraíso na terra. Se, pois, temos algum pequeno defeito e caímos, pensemos que os santos não foram puros espíritos na terra.
Confie e espere em Deus, meu caro padre. E, por caridade, lhe peço recomendar-me a Jesus Cristo e a Maria Santíssima. Queiram Eles abençoar a ambos.
***
Observação:
1) O padre Francisco Garzilli era outro escrupuloso. Era, como Geraldo, redentorista. Tinha trinta e seis anos a mais que o seu santo confrade. Geraldo, com esta carta, procura levantar-lhe o ânimo.
29. Carta à Ir. Maria de Jesus57
Data: Fins de julho de 1754
Assunto e contornos: Que a carta foi dirigida à Ir. Maria de Jesus, se deduz do tom e do conteúdo, assim como do endereço externo: "À Madre Maria de Jesus C. S.". A data proposta (primeira permanência de Geraldo em Nápoles depois de resolvido o caso da calúnia) é a que chega Domenico Capone: Geraldo está distante; antes da profissão da Ir. Maria Celeste (outubro); e o texto "tem todo o ar de uma carta que quebra finalmente um longo silêncio e que era esperava desde muito tempo. Além disso, parece aludir à recente provação sofrida por Geraldo".58
Os agradecimentos pela "assistência" brotam sinceros, juntamente com as orações para que o "Senhor as pague de minha parte" e a confirmação da união e empenho recíprocos: "teria dado o sangue e a vida".
Prevalece o tom jovial e cheio de esperanças. As dificuldades na correspondência se devem a "fra Zurfo", mas não se lhe pode atribuir a vitória. A expressão: " Que Deus a faça uma grande santa" é, nas cartas de Geraldo, uma exclamação de censura em sentido positivo.
Jesus + Maria
Reverendíssima irmã minha em Jesus Cristo,
 
NOTAS
57) Summarium, 319-320
58) Cfr. Capone-Majorano, Le Lettere 153-155.
recebi uma muito estimada carta de V. Revma. e fiquei muito consolado.
Por esta consolação que V. Revma. me proporcionou, eu a abençôo mil vezes em nome da Santíssima Trindade. Mil vezes seja abençoada. Seja abençoada pelo mesmo Deus e por nossa Mãe, Maria Santíssima e por toda a corte celestial.
Vossa Revma. se queixa de mim, dizendo-me que já me mandou tantas cartas e não lhe respondi. Seja por amor de Deus!
O que quero dizer à V. Revma., V. Revma. me diz a mim. Em verdade, não recebi nenhuma carta de V. Revma., a não ser esta que V. Revma. me mandou, e de todas as outras minhas não recebi nenhuma resposta de V. Revma. Creio, como já tenho pensado, que, tanto as suas cartas quanto as minhas, foi "Fra Zurfo" (1) que as impediu para fazê-la sofrer e para fazer que se desfaça o pacto sagrado. Faça o que queira o inferno, que nisto não vencerá jamais.
Desculpe muitíssimo a minha madre priora e lhe digo que, de tantas cartas que lhe mandei, não me respondeu nem ao menos uma linha para meu consolo. Eu a tenho marcada: quero acusá-la até mesmo a Jesus Cristo, a fim de que Ele a ponha na cadeia.
Agradeço-lhe a assistência que me prestou. Desde já confio em que Deus lho retribua por mim. Peço-lhe que não fale a ninguém de tudo isso. E nem de suas coisas deve ser liberal.
Deus sabe quanto não sofri por amor de V. Revma. Que quer que lhe diga? Teria dado o sangue e a vida, se tivesse sido necessário.
Deus a faça cada vez mais santa, já que V. Revma. não quis ouvir-me.
Saudações carinhosas a todas as minhas irmãs; peço-lhes que não me abandonem, agora que estamos longe.
Saudações especialmente à madre Priora. Contudo, não lhe escrevo, porque não quer responder-me. Eu lhe perdôo. Não a ponham mais na cadeia.
Saudações a Maria do Amor Divino, a Maria Josefa, Maria Teresa, Maria Madalena, Maria Celeste: creio que já receberam...
Reze a Deus por mim, pois ainda não me esqueci de V. Revma. Enfim, esteja bem e disponha de mim. Fique comigo no pacto sagrado de Jesus Cristo.
Vivam J. M. J. J. e minha "pazza" (2) de Pazzi.
***
Observações:
1) "Fra Zurfo": nome burlesco dado ao demônio.
2) Geraldo faz provavelmente um trocadilho jocoso com o sobrenome de Santa Maria Madalena de "Pazzi". "Pazza" significa louca. De Santa Maria Madalena de Pazzi pode-se dizer que era "louca" de amor a Deus.
30. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo59
Nápoles, 28 de agosto de 1754
Assunto e contornos: Geraldo está em Nápoles com o Padre Margotta. Ele passa a maior parte do dia em oração em qualquer igreja ou aprendendo a arte de fazer crucifixos de papel prensado, que, depois de preenchidos com formas de gesso, pintava-os ao natural, mas de um modo tão lastimoso com as carnes dilaceradas e ensangüentada, que despertavam ternura em todos aquele que os contemplava".60
 
NOTAS
59) Summarium, 310.
60) Caione 95
Tem ainda tempo para copiar um folheto de cânticos que lhe pediu a Ir.
Maria Celeste, filha de dom Benedeto Graziola, que já estava perto de fazer a profissão. Ela deve cantar para se tornar uma grande santa.
Viva o meu Espírito Santo!
Minha Celeste,
desagrada-me não poder escrever-lhe mais longamente, devido à pressa que tenho, pois tenho que sair e estão me esperando na igreja. Seja sempre feita a vontade divina!
Querida irmã, lembrei-me de que V. Revma. queria um livrinho de cânticos, desde o ano passado; mas, porque não tive oportunidade, não lho enviei: esperei a ocasião. Agora que me acho em Nápoles, lembrei-me de novo. Desde agora, ei-lo, lho envio. Cante na sua cela para que se faça uma grande santa e reze sempre a Deus por mim.
Os senhores seus irmãos a saúdam e estão bem. Saudações à minha priora, a Maria de Jesus, Madalena, Batista, Teresa do Amor Divino, Josefa, a sua irmã, e a todas as outras minhas irmãs; e aqui fico, fazendo-lhes humilde reverência.
De V. Revma.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observações:
1) Sóror Maria Celeste do Espírito Santo era a mais nova das duas filhas de Dom Benedeto Graziola, que entraram no mosteiro de Ripacandida. Era muito jovem, contava apenas 16 anos e ainda era noviça quando recebeu de Geraldo esta
carta. Tinha sido educada no mosteiro e não queria ser irmã. Tendo ouvido, porém, uma conferência de Santo Afonso, resolveu tornar-se religiosa. Geraldo interessou-se muito por esta vocação.
31. Carta à Ir. Maria de Jesus61
Nápoles, 7 de agosto ou setembro de 1754
Assunto e contornos: Geraldo se esqueceu de indicar o mês ao datar esta carta. Ele permanece em Nápoles até os últimos dias de outubro, no início deste mês, porém, escreve outra carta a Ir. Maria. É provável, entretanto, que seja de agosto ou setembro.
As restrições que lhe foram impostas depois da calúnia já não existiam, por isso sua permanência em Nápoles é um período de serena alegria. E de fato, Geraldo se entretinha sem reserva com Deus e irradiava alegria e esperança até nos pobres recantos do hospital dos incuráveis.
Continuava, entretanto, no trabalho de assemelhar-se com o Crucificado: assemelhação penosa, porém cheia de fé. "Bendito seja sempre Aquele que me dá mais vitórias na vida, para dar-me também mais sofrimentos, a fim de que eu seja imitador do divino Redentor".
Jesus + Maria
Querida e mui venerada irmã (...),
escrevo-lhe debaixo na cruz e, como não tenho tempo de vida, sou obrigado a escrever-lhe a toda a pressa.
Desculpe-me a minha agonia. Pouco tempo me resta agora. Se não fosse a força que faço, não escreveria esta carta, por causa das lágrimas (1).
 
NOTA
61) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 303-304; SH, 8 (1960) 204 (fragmento)
São tão cruéis as minhas dores que me causam espasmos de morte. E quando penso que vou morrer, logo me encontro vivo para ser mais afligido e cheio de dores.
Não sei que outra coisa lhe dizer; não lhe posso dar o meu fel e meu veneno para sentir-lhes o amargor.
Sei que está contente. Mas já que está contente, basta isto para animar-me e me fortalecer mais em Deus.
Ele seja sempre bendito, que me concede tantas graças e que, em vez de fazer-me morrer sob os seus santos golpes, antes me dá vitória de vida, dando-me até os tormento, a fim de que seja imitador do meu divino Redentor. Ele é meu mestre e, eu, seu discípulo. É justo que eu deva aprender dele a seguir as suas divinas pegadas.
Mas agora não ando e nem tenho movimento, pregado, como estou, com Ele na cruz, triste e em inexplicáveis sofrimentos. Perdeu-se para mim a lança que me daria a morte. É o meu patíbulo. Aqui obedeço... para tornar a achá-la a fim de alcançar vida no sofrimento.
Todos, parece, me abandonaram. E eu então, para não ficar no meu estado, digo: esta é a vontade do meu celestial Redentor: permanecer pregado nesta dura cruz. Inclino a cabeça e digo: esta é a vontade do meu amado Deus. Eu a aceito. E tenho prazer em fazer quanto Ele manda e dispõe.
Que eu vá aí, é possível. Mortifico-me e tenho vontade de pedir isso. A minha vontade está toda colocada nas mãos de meus superiores: façam o que querem de mim, que estou contente.
Deus sabe o desejo que tenho de vê-la. Talvez eu mais que V. Revma. Porque me esforçaria por conseguir viva fé nesse lugar da nossa santa mãe Teresa.
Peço-lhe o favor de saudar por mim sóror Maria Josefa, Teresa, Batista do Amor Divino, Madalena e todas as outras minhas irmãs.
Fique em paz. Adeus, minha irmã.
Não é preciso explicar-me os seus sofrimentos, pois os conheço e os vejo em Deus, que a louva.
De V. Revma.
Indigmo. servo e irmão,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observações:
1) Como na carta n. 24, Geraldo expressa aqui a "sua verdade": sua total identificação com Cristo sofredor. Para nós é um mistério inexplicável, mas o certo é que Geraldo sentia realmente em seu ser os sofrimentos de Cristo para a redenção da humanidade. Isto lhe causava "espasmos de morte", dirá ele em seguida. Esta carta revela, de modo admirável, a íntima união de Geraldo com Cristo, a ponto de Ele transformar-se, por assim dizer, no próprio Cristo em sua Paixão e Morte.
A carta está datada: Nápoles, 7 de 1754. O santo esqueceu de indicar o mês. Devido às circunstâncias, que não interessa explicar, é muito provável que tenha sido escrito em setembro.
32. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier62
Data: 4 de outubro de 1754
Assunto e contornos: "Estou muito doente e, dentro de alguns dias, me vou a viver em Caposele". Apesar disto, Geraldo encontra toda a força em sua fé ousada e cheia de esperança para agradecer. A carta respira um tom de
 
NOTA
62) Materdomini, Arquivo do Santuário
jovialidade, rica de sincero agradecimento ao Senhor, e que é típica de seu estilo de vida.
O afeto e o recíproco compromisso de oração não deve maravilhar a Madre Micaela, pois, como irmão e irmã no Senhor, "é justo que nos devamos amar puramente em Deus". Ainda mais, Geraldo conta muito com as orações das irmãs de Ripacandida: vez por outra a Madre Micaela deve renovar a recomendação para a comunidade a respeito do assunto.
Jesus + Maria
Viva o nosso amado Deus e nossa Divina Mãe!
Mui venerada Madre, minha estimada priora,
com grande consolação minha, recebi a sua estimada carta: seja sempre, infinitas vezes, bendito o meu Senhor, que me proporcionou tanta consolação. E nosso Senhor lhe retribua a caridade e a bondade com que me trata contra os meus méritos.
Eu já estava resolvido a queixar-me de V. Revma. ao meu amado Deus. Tinha justas razões para isso, devido as cartas que lhe mandei, sem obter resposta. V. Revma. fez bem em me escrever, porque estava em perigo de incorrer em censura, como já me escreveu V. Revma. (1).
Não se admire de que eu lhe escreva com tanta afeição, pois tenho três motivos para isso: primeiro, porque V. Revma. é esposa de Jesus Cristo e, como tal, a estimo e venero; segundo, é filha de minha querida Teresa e pela estima que tenho a ela, daria o sangue e a vida para sempre defender e exaltar a glória do meu amado Deus; e terceiro, é porque somos irmão e irmã em meu Senhor; por isso, devemos sempre amar-nos puramente em Deus (2).
Basta, não lhe peço outra coisa senão que, de vez em quando, mande por obediência, a todas as minhas estimadas irmãs que sempre se lembrem de mim em suas santas
orações, que eu, indigno como sou, farei o mesmo por todas elas.
De tudo quanto V. Revma. me ordenou a respeito dos senhores seus tios, será servida: rezarei até a morte pelas almas deles.
Estou muito mal e, dentro de alguns dias, vou para Caposele. Reze por mim, pobre miserável. Faça-me o favor de saudar a todas, todas as minhas irmãs, sobretudo Sóror Maria Teresa.
Saudações a V. Revma.
Muitíssimo lhe agradeço a novena feita por mim à minha e sua Santíssima Trindade.
De V. Revma.
dedicado servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
Seja feita a vontade de Deus. Não encontro a carta que tinha escrito a Sóror Maria de Jesus. É noite, não posso escrever outra e esta noite vai o correio. Quarta-feira, se Deus quiser, lhe mandarei. Lembranças a ela.
***
Observações:
1) Não obstante o seu sofrimento interior por causa da sua identificação com Cristo sofredor, Geraldo não deixava, muitas vezes, de dar um toque de humorismo às suas conversas e suas cartas. Aqui temos um exemplo disso. Diz que já "estava resolvido a queixar-se da Madre a Deus, porque ela custava a responder-lhe e que, por isso, ela estava "em perigo de incorrer em censura", como ela mesma "ameaçara" Geraldo anteriormente, porque ele também demorava a responder-lhe.
2) A afeição de Geraldo era totalmente pura, inteiramente isenta de ressaibos carnais. Ele ama a todos "puramente em Deus", especialmente as pessoas que se consagraram inteiramente a Deus. É Ele quem sublinha a palavra "puramente". Talvez para evitar qualquer má interpretação do que ele diz. Cremos que é também por isso que ele começa esta alínea, dizendo: "Não se admire de que eu lhe escreva com tanta afeição". Sobretudo depois da calúnia que sofrera, Geraldo teria chegado à conclusão de que nem todos o compreendiam, nem podiam compreender a sua profunda visão da natureza e do mundo, criados pelo amor de Deus, para fazer-nos amar, em todos e em todas as coisas, a esse Deus que é Amor.
33. Carta à Ir. Maria de Jesus63
Data: 4 de outubro de 1754
Assunto e contornos: Esta é a carta à qual se referia Geraldo no final da precedente dirigida à Madre Micaela. Está já datada a 4 de outubro, sendo expedida no dia 9.
Geraldo tem certeza da fidelidade da Ir. Maria a respeito do compromisso recíproco de oração. Igualmente, Ir. Maria não deve duvidar da fidelidade de Geraldo. Por isso, sente como seus os sofrimentos da irmã: "se digo mais que tu, não estou mentindo". Entretanto, mais que suas palavra, é o Espírito Santo que a deve fazer compreender. De sua parte, Geraldo está na cruz, mas bendiz a vontade de Deus. Insiste no pedido de orações porque "temo não perseverar". Esta profundidade de assemelhação mística com o crucificado e à comunhão fraterna vai unida ao sufrágio para quem morre,
 
NOTA
63) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 305-306
praticado na forma mais querida do povo: para a Ir. Olívia "fez oito dias de comunhões".
Jesus + Maria
Viva sempre, sempre viva o nosso Deus amado e a nossa divina Mãe, em união com a nossa santa fé. Amém.
Minha caríssima irmã,
respondo à sua prezada carta e lhe digo que lhe agradeço muitíssimo pela santa novena que fez por mim ó nossa Santíssima Trindade. É verdade que com V. Revma. não são necessárias palavras, nem pedidos, nem dúvidas; sei que o que lhe escrevi na presença diviníssima de Deus, já estava escrito por nós. São testemunhas disso a nossa Santíssima Trindade e nossa Mãe, Maria Santíssima. Sim, e de minha parte faço sempre a minha obrigação para com V. Revma. junto do meu Senhor; e não deixe de rezar a Ele, indigno pecador que sou. Minha irmã, tenho muita pena de V. Revma., está sã, aflita e desconsolada, por não ter com quem possa desabafar-se e consolar-se. Sei com toda a certeza as penas que sofreu e ainda sofre. Digo-lhe que as sinto no meu coração mais agudamente que V. Revma. não pode imaginar com que distinção e clareza as percebo: se digo, mais que V. Revma., não digo mentira. Não lhe explico nada, porque sei que, enquanto V. Revma. lê esta carta, o meu Espírito Santo lhe fará compreender tudo de minha parte, melhor do que eu lhe poderia explicar. Prouvera a Deus que eu fosse aí para consolá-la. Mais, por causa de V. Revma. do que por mim. Estou muito aflito e desconsolado por estar tão atormentado por causa da justiça divina que por nada mais. Bendita seja sempre a sua divina vontade. E o que mais me faz tremer e causa maior horror, é que temo não perseverar! Deus não o queira, porque seria o mesmo que abater-me. Nesse sentido, quero que V. Revma. faça todas as orações. De minha parte
lhe digo que, quanto às suas aflições, não pense mais nisso, para que não se aflija tanto; mas as atire nos braços da divina misericórdia. Conforme-se com a sua divina vontade, porque este seu mérito lhe serve para fazê-la cada vez mais santa.
De V. Revma.
Faça-me o favor de saudar a madre priora e Sóror Maria do Amor Divino, Maria Batista, Teresa, Josefa, Madalena, Celeste.
Vossa Revma. diz que Olivéria me saúda: é verdade, mas é do céu, não daí. (1) Embora indigno, fiz oito dias de comunhões por alma dela e ofereci tudo que fiz naqueles dias. Assim quero fazer por todas, a fim de que vão para o céu. Por isso, avise a todas e diga a todas as que continuam vivendo, que rezem a Deus por mim, depois que eu também tenha passado à eternidade e façam igualmente por mim oito dias de comunhões.
O nosso Padre Margotta está fazendo os santos exercícios. Sei que ele gostaria que eu a saudasse por parte dele.
Indigmo. irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observação:
1) De fato, a Ir. Olivéria já havia falecido, quando Geraldo recebeu a carta de Madre Maria de Jesus. Como o soube, não sabemos. O certo é que ele já tinha rezado por alma dela durante oito dias e pedia que as monjas fizessem o mesmo por ele, depois que ele passasse à eternidade.
34. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo64
Nápoles, 1º de novembro de 1754
Assunto e contornos: É "grande consolo" saber que a jovem irmã fez a profissão dos votos religiosos. Ao felicitá-la, Geraldo convida-a a aprofundar sua consciência no dom que recebeu, para poder corresponder generosamente: "fazer-se santa, uma vez que por divina bondade vos encontrais em tão santa ocasião". Nesta perspectiva, o tempo chega a ser um precioso tesouro para compreender e fazer frutificar o dom.
Faz-se mais forte, em Geraldo, o desejo de isolamento. Agora que está para partir para Materdomini, ele pedirá a seu "santo Reitor Mor" que o tranque num quarto.
Jesus e Maria
Mui venerada irmã em Cristo,
a sua prezada carta me consola imensamente por ter eu sabido que, por graça do Senhor, já fez a santa profissão. Viva Deus e V. Revma., pois alcançou a graça de se consagrar de modo especial a Deus por meio dos votos.
Agora a senhora está mais elevada que nunca, pois é nova esposa do meu Senhor.
A senhora está extraordinariamente feliz, se, refletindo dia e noite, sobre a grande dita que lhe coube, se humilhar e puser em execução os costumes perfeitos que sua elevada condição exige. Certo é que a senhora está num estado que é tão caro a Deus como nenhum outro. Abra os olhos e venere cada manhã a bondade divina, que a cumula de graças.
Vamos, faça-se uma grande santa, já que, pela misericórdia divina, a senhora se encontra em ocasião tão santa!
 
NOTA
64) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 304-305
Reze sempre a Deus por mim e diga-lhe, por caridade, que me faça santo, pois estou perdendo tempo. Ó meu Deus, que má sorte é a minha, que deixo passar tantos momentos, horas e dias inutilmente, isto é, sem saber aproveitar-me deles. Oh! quanto perco com isso! Que Deus me perdoe!
Eu já sabia da morte de Maria Olivéria. Agora ouço que Maria Antônia está no lugar dela. Diga-lhe da minha parte que fiquei muito consolado e, para consolar-me ainda mais, desejaria que ela pusesse em execução, agora mais do que nunca, os santos desejos que tinha no mundo e se fizesse santa como sóror Olivéria. Se não se fizer santa, Deus lhe pedirá contas disso. Saúdo-a e lhe peço que me faça a caridade de recomendar-me sempre ao meu Senhor.
Julgo impossível ir até aí, porque não o peço aos meus superiores, já que este é o caminho que o Senhor me mostra. E agora que me retiro, se Deus quiser, pedirei ao meu santo reitor maior que me feche num quarto a fim de que eu não saia mais de casa.(1) E espero conseguir isso.
Saúdo a madre priora, Maria de Jesus, Maria Teresa, Maria Josefa, Maria Madalena, Maria da Conceição, Escolástica, Maria do Amor Divino, Maria Batista e todas as outras irmãs: rezem
todas a Deus por mim, pobre miserável, pois eu ainda o faço por todas. Deus me é testemunha.
Fiquem em paz, com a graça do meu Senhor. Adeus.
De V. Revma.
Indigmo. servo e irmão em Jesus Cristo,
Geraldo Majela, do meu amado Redentor.
***
Observações:
1) Geraldo aluda à sua próxima transferência para Materdomini, onde desejaria estar em plena solidão.
35. Carta a uma religiosa65
Data: Sem data
Assunto e contornos: Apresentando-nos este breve texto, Tannoia não nos dá nenhum elemento tanto para a data quanto para individualizar a religiosa a quem está dirigido. Somente no mosteiro de Ripacandida havia três religiosas que se chamavam "do Divino Amor": Ir. Maria, Ir. Teresa e Ir. Maria Batista.66 Coloca-se esta carta neste lugar por existir uma certa afinidade temática com a precedente.
Em poucas linhas, vêm sintetizados alguns dos temas mais queridos de Geraldo: o amor, a oração, o sim constante à vontade de Deus, a sincera comunhão fraterna.
Prezada irmã em Jesus Cristo,
lembro-lhe que se lembre de mim no amar e rezar a Deus por mim. Digo-lhe, em verdade, a senhora pode ajudar-me, porque a senhora se chama "do Amor Divino"; e creio que a senhora está toda transformada no amor do Ser de Deus e na sua vontade divina.
Faça-se santa e depressa!
36. Carta à Ir. Maria de Jesus67
Data: Março de 1755
Assunto e contornos: O Sumário indica como destinatária a Ir. Maria ou outra monja. O Conteúdo e o tom da carta fazem pensar, sem dúvida, na Ir. Maria de Jesus. É difícil pôr uma data precisa. Capone sugere o tempo da segunda estadia de Geraldo em Nápoles no ano de 1755,
 
NOTAS
65) Tannóia, Vita 92.
66) Capone-Majorano, Le Lettere 187.
67) Summarium, 320
depois dos meses de inverno passados em Materdomini, onde a correspondência epistolar com Ripacandida era mais problemática por causa do rigor do inverno. Esto explicaria a interrupção epistolar à qual e refere a carta.68
O tom da carta é sobremaneira jovial: "ponho em Deus todos os desprezos que me haveis feito". Cada fato é interpretado a partir dos elementos positivos. Somente assim torna-se possível viver alegremente. Geraldo aceita com serenidade o ser considerado, sem motivo, como ingrato.
Viva o nosso Deus amado.
O Espírito Santo, nosso amoroso Senhor, esteja sempre na alma de V. Revma., minha querida irmã em Cristo e nossa querida Mãe Maria Santíssima a console. Amém.
Respondo a uma prezada carta de V. Revma. Fiquei muito consolado por saber que a senhora está bem e que se recordou de mim; pensava, porém, que V. Revma. me tivesse já abandonado, não rezando Deus por mim. Contudo, não estou seguro. Mas entrego a Deus todos os pesares que a senhora me causou. Deus lhe perdoe, pois eu já lhe perdoei. (1)
Quanto àquela senhora, sobre a qual V. Revma. me escreve, V. Revma. não me disse quando, nem o padre está aqui para eu pedir-lhe permissão, se é que me dá, pois a julgo difícil. Basta! Confiemos no Senhor e rezemos muito: aquilo que não podemos fazer, faça-o Ele.
Pelo que me diz, a senhora foi dispensada da portaria por algum tempo. Não foi nada, pois lhe deram a dispensa por causa da sua enfermidade e para seu bem. Por isso, continue alegre e espere cumprir o seu ofício quando poder. Ame muito a Deus e faça-se uma grande santa.
Saudações a todas e continue a rezar a Deus por mim, assim como faço por V. Revma. E Deus nos abençoe. Amém.
 
NOTA
68) Capone-Majorano, Le Lettere 188-189
De V. Revma.
O nosso padre não pode responder à madre; responderá. porém, amanhã de manhã.
Creio que a senhora me considera um ingrato a seu respeito. Seja feita a vontade de Deus: Deus o quer assim por causa de meus pecados. Se a senhora quer ficar longe de mim, pelo menos não fique longe no recomendar-me sempre a Deus. O nosso padre pede à madre priora a caridade de deixar V. Revma. falar com o empregado de Dom Luís e Geraldo.
Indigmo. servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Deus Amado.
***
Observação:
1) Aqui reaparece o senso de humor de Geraldo. A sua alegria era autêntica e foi tão grande ao receber, depois de um longo período de silêncio, uma carta da Madre Maria de Jesus, que ele chega a gracejar. Com ela, dizendo que lhe perdoa todos os "pesares" que lhe causou...
37. Carta à Madre Maria Celeste do Santíssimo Salvador69
Nápoles, 8 de março de 1755
Assunto e contornos: Trata-se da única carta, que conhecemos, de Geraldo para a fundadora das monjas redentoristas. A comunicação das indulgências obtidas para o
 
NOTA
69) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 288-289
mosteiro de Foggia, "também para as moças educandas", está acompanhada do primeiro pedido de orações, particularmente "para sufrágio de minha alma depois de minha morte". Talvez Geraldo sinta que o momento de seu encontro face à face com o Senhor não está longe.
Como ele, Maria Celeste morrerá poucos meses depois, em setembro daquele mesmo ano. "Um dia, exatamente a 14 de setembro, (Geraldo) disse a um leigo: 'Hoje em Foggia a Madre Maria Celeste passou a gozar de Deus". Ele fora surpreendido por um êxtase, e de fato, como depois se averiguou, nesse dia a Madre Maria Celeste passou para a eternidade... E isto aconteceu na mesma hora em que ele o havia dito. Havia algo entre ele e a serva de Deus que nós não sabemos".70
Jesus + Maria
A graça divina e a consolação do nosso Espírito Santo estejam sempre na alma de V. Revma. e de todas as suas filhas e nossa Mãe Maria Santíssima lhas conserve. Amém.
Nossa prezada e mui veneranda madre,
depois dos meus urgentes pedidos ao muito Revdmo. Pe. Francesco Pepe, da Companhia de Jesus, o qual, como V. Revma. sabe, tem todas as faculdades, a ele concedidas pela Sumo Pontífice, de dar qualquer indulgência, já consegui, graças ao nosso amado Deus e a Maria Santíssima, as seguintes indulgências, que serão aplicáveis a todas as suas filhas, inclusive às senhoras educandas. Tanto às senhoras, como também a todas as que virão depois, in perpetuum, com a única obrigação de comungar. São estas:
1. Indulgência plenária na festa da Santíssima Trindade.
 
NOTA
70) Tannóia, Vita 177
2. Indulgência plenária em todas as festas de Jesus Cristo.
3. Indulgência plenária em todas as festas de nossa Mãe, Maria Santíssima.
4. Indulgência plenária em todas as festas dos santos apóstolos.
5. Indulgência plenária na festa de São João Batista.
6. Indulgência plenária na festa de Santa Ana.
7. Indulgência plenária na festa de São José.
8. Indulgência plenária na festa de São Miguel Arcanjo.
9. Indulgência plenária na festa de São Joaquim.
10. Indulgência plenária na festa de Santa Isabel.
Somente lhe peço que mande conservar a presente carta, a fim de que aquelas que depois sucederem, possam aproveitar as mesmas indulgências supracitadas.
E lembro-lhe, ao mesmo tempo, que todas têm obrigação de rezar ao Senhor por mim e de aplicar-me as indulgências que puderem em sufrágio de minha alma depois de minha morte. O mesmo fica recomendado a todas, todas as prioras "pro tempore", a fim de que mandem que se aplique alguma comunhão em sufrágio de minha alma... E lembro precisamente à priora que governar imediatamente depois da minha morte, que me faça aplicar durante oito dias por todas as irmãs que houver, com as indulgências que ocorrem em favor de minha alma, pois eu também me lembrarei de rezar ao Senhor Deus por elas, a fim de que as faça santas. Amém.
Vossa Revma. me fará o favor de saudar a todas as minhas irmãs; rezem todas a Deus por mim, como tantas vezes me prometeram aí. V. Revma. faça-o por obediência.
Permaneço todo consigo em Jesus Cristo.
Lembrem as nossas irmãs que, para lucrar as supraditas indulgências, é preciso que façam a intenção de manhã ou antes da comunhão.
Muitas saudações ao meu Dom Nicola: muito me recomendo às suas santas orações, como também faço por ele.
38. Carta ao Pe. Celestino De Robertis71
Nápoles, 8 de abril de 1755
Assunto e contornos: A disponibilidade diante das necessidades dos outros acompanhou Geraldo durante toda sua vida. Desde seu ingresso na Congregação, observa Caione, "foi especialmente amante do trabalho incansável, de modo que jamais perdia tempo". Quando não tinha o que fazer, procurava ajudar os outros em suas tarefas... Quando se fazia o pão para a comunidade, Geraldo trabalhava por quatro; punha-se ao lado dos demais irmãos e dizia; "deixa-me fazer isto, vá descansar".72
Ele comunica ao Padre De Robertis, em Pagani, que tem acompanhado o trabalho de construção da estátua da Virgem; é "belíssima". Porém, necessita do dinheiro para cobrir os gastos.
Jesus + Maria
Meu caro padre,
comunico-lhe que a estatueta de Nossa Senhora está quase pronta. Só faltam a auréola e a decoração. Ficou, em verdade, muito bonita, como V. Rev.ma. a queria.
 
NOTAS
71) Gars am Inn, Arquivo Provincial
72) Caione, Vita 33
Diz-me o artífice da mesma que necessita de dinheiro e que pelo fim do presente mês V. Revma. poderá mandar buscá-la.
Obedeci a V. Revma., acompanhando o dito escultor e dando-lhe assistência.
Recomendo-me às suas santas orações e despeço-me beijando-lhe reverente as sagradas mãos.
De V. Revma.
Indigmo. servo, irmão e filho,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
39. Carta ao Pe. Celestino De Robertis73
Data: 1754/1755
Assunto e contornos: Não há possibilidade de se dar a este bilhete uma data certa. "Deve-se pensar em algum dos dois períodos que Geraldo esteve em Nápoles: "verão/outono de 1754 ou primavera de 1755..."
De Pagani, onde se encontrava com Padre De Robertis, era normal fazer de Nápoles centro de pequenos trabalhos. Materdomini e Deliceto estavam longe; Ciorani estava mais perto de Salerno do que de Nápoles".74
Jesus + Maria
Meu caro e muito venerado padre,
mando-lhe o alimento sem preparo que V. Revma. me encomendou.
Recomendo-me às suas santas orações.
Perdoe-me se lhe escrevo às pressas.
 
NOTAS
73) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 297
74) Capone-Majorano, Le Lettere 198
Ponho-me aos pés desse padre Ministro e de todos. E despeço-me beijando-lhe reverente as sagradas mãos.
De V. Revma.
Indigmo. servo e filho,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
40. Carta a Jerônimo Santorelli75
Nápoles, 16 de maio de 1755
Assunto e contornos: O jovem Santorelli "tentara conquistar com presentes uma tal Catarina - monja em casa - e, ao consegui-lo, havia praguejado contra seu confessor e contra quem lhe havia imposto o véu preto",76 sinal do compromisso de consagrar-se ao Senhor com votos privados vividos em família. Esta leigas consagradas ou "bizzoche" (= beatas) eram muito freqüentes naquela época. Também era freqüente insultar a outros maldizendo seus parentes defuntos.
O tom usado é forte. Geraldo apela para a dignidade familiar: "não são coisas de um homem de bem". E, sobretudo, apela para o poder de Deus, que defende o fraco que confia nele; embora saiba muito bem que se trata de um erro devido à imaturidade de seus anos. Por isso garante a Jerônimo seu perdão e seu amor.
Vivam Jesus e Maria!
Prezadíssimo Senhor Dom Jerônimo,
deveria ter lhe escrito antes, mas Deus não o quis. Escrevo-lhe agora e lhe digo que jamais havia pensado que
 
NOTAS
75) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 292-293; Tannóia, 137-138.
76) Ferrante, Storia meravigliosa, 336
V. Senhoria fosse capaz de fazer aquela ação que me causou tanta admiração, como nem tinha imaginado.
Como? V. Senhoria está tão fraco assim? Mas basta!
E depois, é tão pouco prudente que chega a mandar por aquela pessoa de decoro, enfeites e grinaldas a Catarina? Que loucura é esta? De fato, eu não o imaginava. Pois lhe digo que ela é protegida de Deus e de mim. Por que, então, V. Senhoria quer tentar o poder de Deus?
Tome cuidado e pense que não são coisas que um homem de bem faça. E se estou longe, saiba que nada é impossível a Deus; entenda-me bem.
E ainda é tão ousado que chega a maldizer os mortos de quem a ouve em confissão e de quem lhe deu a capinha negra. (1)
Ó Deus! Vossa Senhoria sabe o bem que lhe quero, e afinal, se arrisca a tanto? Mas eu lhe perdôo, porque foi induzido a isso devido a sua juventude, pois quem está em tal condição não pensa no inferno, nem a infinita perda de Deus.
De V. Senhoria
Indigmo. servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observação:
1) Naquele tempo maldizer os mortos era tido como blasfêmia, e como tal era um pecado reservado. Santo Afonso conseguiu esclarecer os bispos para retirar a censura, argumentado que se tratava apenas de uma ofensa dirigida aos mortos, mas que atingia os vivos, não sendo conseqüentemente uma blasfêmia.
41. Carta a um senhor77
Data: Sem data
Assunto e contornos: Tannoia ao transmitir esta carta não oferece elementos que possam determinar a data ou o destinatário. Limita-se a dizer: "Tentado, o nobre homem não estava resignado, mas quase desesperado com seus problemas. Geraldo lhe escreve, animando-o a ter paciência".
Toda dificuldade e sofrimento vão incluídos nos sofrimentos do crucificado. É um dom do Espírito que se deve pedir insistentemente. A vida cristã terá então a "consistência" do sim confiado à vontade de Deus. Assim, com a oração, poderemos obter tudo de Deus.
Recebi a sua prezada carta. Se V. Senhoria se conservar fiel a Deus, Deus o ajudará. Deus sabe quanto sinto os seus sofrimentos. O Espírito Santo lhe faça conhecer quanto mais V. Senhoria deveria sofrer por amor Daquele que tanto sofreu por amor de nós
Meu caro irmão em Jesus Cristo, tenha paciência nas suas tribulações, pois Deus permite tudo isso para o seu bem. Deus quer que V. Senhoria salve sua alma e se emende.
Só uma coisa é necessária: sofrer tudo com resignação à divina vontade, pois isso o ajudará para sua eterna salvação. Agüente firme, pois isso o ajudará contra as tentações. Espere com viva fé e obterá tudo do meu amado Deus.
42. Carta a um senhor78
Data: Sem data
 
NOTAS
77) Tannóia, Vita 138
78) Tannóia, Vita 139
Assunto e contornos: Também para esta carta, Tannoia não fornece dados para determinar data e destinatário. Acentua que se trata de uma pessoa nervosa que se dirigiu a Geraldo procurando uma "recomendação".
Geraldo tratou de interceder, mas sem êxito: o duque "não tem estrutura para acalmar-se". No mais está sinceramente penalizado. Maior é sua preocupação que se viva com fé este momento difícil. É preciso compenetrar-se em si mesmo para compreender "o que quer dizer um Deus ofendido". Daí sua exortação à confiança: "da maneira como vos comportais com Deus, assim Ele vos ajudará".
Tenha paciência, se não encontra logo o que procura.(1) Talvez o Senhor lhe impeça o caminho, a fim de conservá-lo mortificado. Deus leva a alma por entre misérias e amarguras para fazê-la entrar em si e conhecer o que significa ofender a Deus. Neste caso, não há nada melhor que chorar continuamente as nossas culpas e pedir a Deus que nos alongue os dias, a fim de que tenhamos tempo de chorar e sofrer por amor Dele.
Por que, pois, querer desesperar, quando essas suas penas são poucas em comparação com as que deveria sofrer pelos seus pecados? Não seria pior se achasse agora no inferno?
Meu filho, tenha cuidado, porque o demônio é esperto; se não se emendar e não se conservar fiel a Deus, certamente ele o pegará de surpresa.
Anime-se, confie em Deus, que Deus lhe dará forças para superar tudo.
Já o mandei dizer novamente ao Senhor Duque; mas, sinto muito, pois ele não tem, no momento, oportunidade de colocá-lo. Deixe Deus agir: do modo como se comportar com Deus, do mesmo modo Deus o ajudará.
***
Observação:
1) Trata-se de um fidalgo impaciente que desejava ser promovido a todo o custo pelo duque, seu superior. Como não o conseguia, pede os préstimos de Geraldo, que era amigo do duque, a fim de que intercedesse por ele.
43. Carta ao Pe. Gaspar Caione79
Oliveto, 23 de agosto de 1755
Assunto e contornos: Regressando de Nápoles a Materdomini na segunda metade de maio de 1755, a pesar de encontrar-se gravemente doente, Geraldo trabalha por algum tempo com os pedreiros na ampliação do prédio vizinho ao santuário. Depois, debaixo do sol causticante do verão, inicia uma viagem pelos povoados circunvizinhos: Senerchia, Oliveto, Contursi, Auletta, Vietri di Potenza, San Gregorio, Buccino com a finalidade de recolher o dinheiro necessário para concluir a construção. Estes povoados são as últimas estações de sua Via-Sacra, narrada nesta carta.
Assusta-nos a serenidade com a qual Geraldo fala de seus sofrimentos. Mais do que qualquer outra coisa, desgosta-se o ser causa de preocupação para seus confrade. A única coisa que lhe interessa verdadeiramente é cumprir a vontade de Deus. Por esse motivo, uma vez mais, e apear de tudo, repete seu costumeiro "alegremente".
Saiba V. Revma. que, quando eu estava ajoelhado na igreja de São Gregório, me veio um vômito de sangue. Fui, em segredo, procurar um médico e lhe contei o que tinha acontecido. Jurou-me ele, várias vezes, que não era do peito, mas da garganta; observou que eu não tinha febre nem dor
 
NOTA
79) SH, 8 (1960), 197; Caione 122-123; Tannóia, Vita 170 (fragmento)
de cabeça; por isso, repetiu-me, muitas vezes, de várias maneiras, que não era nada; mandou fazer-me uma sangria na veia da cabeça, embora eu nada sentisse.
Ontem, à noite, tendo chegado a Buccino, enquanto queria deitar-me, voltou-me a costumada tosse e pus sangue pela boca da mesma maneira. Mandaram chamar dois médicos, que me receitaram certos remédios e, entre outras coisas, foi-me feita uma sangria no pé. O sangue que expeli, expeli-o também sem dor no peito e sem sentir nada. Disseram-me ainda que não era do peito, mas ordenaram que me afastasse logo na manhã seguinte, que foi a manhã de hoje, daquela temperatura penetrante e me retirasse para Oliveto, tanto por causa da temperatura como para falar com o senhor Dom José Salvatore, grande amigo e insigne homem na medicina.
Não o encontrei, mas o senhor arcipreste, seu irmão, me diz que ele vem esta noite; por isso, eu o comunico a V. Rev.ma. para que saiba; diga-me o que devo fazer. Se quer que eu volte, voltarei imediatamente; mas se quer que continue com o peditório, continuarei sem mais; pois, quanto ao peito, sinto-me no momento melhor do que quando estava em casa. Tosse, não tenho mais. Ora, vamos, envie-me uma ordem (ubbidienza = obediência) forte e seja como for. (1)
Desagrada-me saber que V. Revma. ficará apreensivo. Alegre-se, meu caro padre, não é nada. Recomende-me a Deus, a fim de que me faça cumprir sempre, em tudo, a divina vontade, e permaneço...
***
Observação:
1) "Obediência forte" na expressão de Geraldo significava a bênção e ordem do superior para continuar o trabalho, se o quisesse. De outras feitas, ele recuperou a saúde com a "ordem, obediência forte" do superior.
44. Carta a Isabel Salvatore80
Data: Setembro de 1755
Assunto e contornos: "Geraldo regressou para casa no último dia de agosto, com o rosto pálido e macilento, porém com um aspeto sereno e amável. O Padre Caione, no primeiro encontro com ele, teve que fazer excessivo esforço para conter as lágrimas que lhe inundavam os olhos. Percebendo que estava com muita febre, apesar de ser meio-dia, mandou-o imediatamente para cama. Geraldo obedeceu sempre alegre e sem perder sua costumeira e inalterável tranqüilidade".81
Embora estivesse muito mais enfraquecido pela enfermidade, "escreve na ocasião diversas cartas a diversas pessoas conhecidas, às quais ajudava em suas necessidades espirituais, não perdendo jamais um instante de tempo".82
Na residência da família Salvatore encontrara-se com a jovem Isabel. Tendo compreendido seu compromisso mais sério para com Deus, Geraldo lhe escreve para confirmar tudo quanto tivera ocasião de falar-lhe de viva voz, para animar sua vocação: "Que belo é ser toda de Deus". As palavras foram ditadas por um amor sincero e profundo, transparência do amor de Deus: "podeis entender, então, quanto Deus a ama". Este é o último texto escrito por Geraldo.
Jesus e Maria
Bendita seja a nossa Santíssima Trindade e nossa amada e divina Mãe Maria.
 
NOTAS
80) Caione, Vita 138-139
81) Caione 135
82) Caione 138
Minha caríssima irmã em Jesus Cristo.
Deus sabe como estou. Contudo, o meu Senhor permite que lhe escreva de próprio punho; por aí você não pode imaginar o quanto Deus a ama. Mas tanto mais a amará, se você fizer tudo o que lhe pedi aí.
Minha filha querida, você não pode imaginar quanto a amo em Deus e quanto desejo a sua eterna salvação, pois Deus muito amado quer que eu olhe de modo particular pela sua pessoa. Saiba, minha filha querida, que o meu afeto está purificado de toda paixão mundana. É um afeto divinizado em Deus. Repito-lhe, portanto, que a amo em Deus, não fora de Deus; se meu afeto saísse, por pouco que fosse, fora de Deus, seria um tição do inferno. Assim como a amo, assim também amo todas as criaturas que amam a Deus; e se eu soubesse que uma pessoa me amasse fora de Deus, eu a maldiria por parte de meu Senhor, pois o nosso afeto deve ser purificado em amar todas as coisas em Deus e não fora de Deus.(1)
Mas voltemos ao assunto, e verá como me prolonguei; é por isso que lhe digo que se fizer o que lhe pedi, você consolará continuamente o meu Deus e a mim. Minha filha, outra coisa não há, senão amar só a Deus e nada mais. Por isso lhe peço que se despoje de todas as paixões e apegos do mundo e se una toda estreitamente a Deus.
Vamos, querida filha, resolva-se finalmente ser toda de Deus! Como é belo ser toda de Deus! Elas o sabem, aquelas abençoadas e felizes almas que o provam; prove-o você também e depois me dirá. De que serve amar o mundo, se não para provar continuamente tribulações e amarguras?
Coragem, não se quer outra coisa de hoje em diante, o seu coração tem de ser todo de Deus e nele não habitará senão só Deus; e quando você vir que qualquer paixão nele quer entrar ou qualquer outra coisa que não é de Deus, diga consigo mesmo: "meu coração está preso; Deus, o meu amado, o tomou para si. Por isso, não há lugar para outras
coisas, a não ser para o meu Deus; sumi, portanto, desaparecei, vós, todas as coisas que não sois o meu Deus, o meu divino esposo!"
A esposa deve ser cuidadosa com seu divino esposo; por isso, deve evitar com cuidado extremo toda a aparência vã. Tem que vigiar o seu coração, que deve chamar-se templo de Deus, casa de Deus, habitação de Deus. É assim que se chamam os corações consagrados ao nosso amado Deus.
Indigmo. servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observação:
1) Geraldo vivia, já aqui na terra, todo imerso em Deus. Via tudo, por assim dizer, com os olhos de Deus. Amava tudo e todos unicamente em Deus, sem a mínima sombra de sentimentalismo, que empana o verdadeiro amor. Por isso seu afeto e amor eram translúcidos e divinamente puros, sem mescla de apego carnal.
45. Fragmentos de cartas
Assunto e contornos: Em Tannoia e Caione aparecem alguns fragmentos de cartas que se perderam. Vamos transcrevê-los, anotando também o destinatário tal como está indicado nas fontes. Eles traduzem as idéias mais caras a Geraldo, que se repetem com insistência na sua correspondência.
a) A Madre Micaela de São Francisco Xavier
Conformai-vos em tudo com a vontade de Deus e convencei-vos de sofrer sempre por Jesus Cristo e estar contente somente com sua divina vontade.83
b) A Madre Maria de Jesus
Amemos a nosso Deus, que somente merece ser amado, como poderíamos viver se não o amássemos de coração a nosso querido Deus.84
c) À mesma
Revda. Madre, amai a Deus por mim, que o amo pouco. E levai-me sempre até Deus. Dizei a meu querido Deus, etc.85
d) À mesma
Permaneço em Nápoles para fazer companhia para o Padre Margotta, e agora mais do que nunca me entreterei com meu Deus querido.86
46. Trato entre Geraldo e o Pe. Arcângelo Salvatore87
Assunto e contornos: Este trato vem como apêndice. Regressando para Materdomini pela última vez, Geraldo demorou-se na casa da família Salvatore, do dia 22 a 31 de agosto, obrigado pela doença. "Provavelmente foi nessa permanência em casa da família Salvatore, quando o arcipreste Arcângelo, sabendo que se encontrava diante de um verdadeiro santo, quis assegurar-se de sua proteção
 
NOTAS
83) SH, 8 (1960), 204
84) Tannóia, Vita 91
85 SH, 8 (1960)201, Caione 85; Tannóia, Vita 110
86) SH, 8 (1960) 201; Caione 85; Tannóia, Vita 110
87) Roma, Arquivo da Postulação Geral; Summarium, 321-322
enquanto vivia e também depois de sua morte, para si mesmo, para sua família e para todos os habitantes de Oliveto".88 Daí o pacto que Geraldo fez, "ao estilo dos contratos civis", utilizando-se para isso de seu nome completo, como um sinal da seriedade da obrigação.
Com a Ir. Maria de Jesus fez também um "pacto" de comunhão e ajuda recíproca na oração: a "santa fé", "santo pacto", termos que repete muitas vezes em suas cartas. Com a irmã, entretanto, não foi necessário pô-lo por escrito
A fidelidade caracteriza profundamente toda a vida de Geraldo. É eco e lembrança da fidelidade do Pai celestial ao desígnio de salvação em Cristo pela força do Espírito Santo. É a convicção, que Geraldo pede que coloquemos em nosso caminho, para agir sempre com grande coragem e "alegremente": belo é o desígnio de Deus a nosso respeito.
Jesus e Maria!
Pactos e tratos entre o reverendo irmão Geraldo Majela, do Ss. Redentor, e o Revmo. Dom Arcângelo, arcipreste.
Na presença da Santíssima Trindade, de Maria Santíssima e de toda a corte celestial:
1. O mencionado revdo. Ir. Geraldo obriga-se a rezar efetivamente ao Senhor de maneira especial em todas as suas orações para que nos vejamos por toda a eternidade na glória do paraíso, gozando de Deus.
2. A socorrer-me em todas as necessidades espirituais e temporais, mesmo que seja de longe, ao recomendar-me a Ele com a voz ou mesmo com o coração.
3. A alcançar-me forças para cumprir santamente minhas obrigações, procurar a santificação de todos, fugir das
NOTA
88) Capone-Majorano, Le Lettere 207
ofensas contra o Senhor e purificar-me de todas as imperfeições.
4. A pedir ao Senhor pela saúde espiritual e temporal de todos de minha casa e pela tranqüilidade paz universal desta região de Oliveto.
5. Mais ainda, obriga-se a todos estes auxílios espirituais nesta e na outra vida.
6. E pedir também que todos os penitentes, que ele conhece, alcancem uma perfeita obediência.
Eu, Dom Archangelo Salvatore, que escrevi o presente, me obrigo; a corresponder a todas as luzes do Senhor e rezar e fazer rezar à Divina Majestade pelo mencionado revdo. irmão Geraldo.
Eu, Geraldo Majela, do Santíssimo Salvador, obrigo-me em virtude da santa obediência na vida, e depois da morte, a cumprir tudo o que foi anteriormente dito e escrito.
 
III. REGULAMENTO DE VIDA
 
Apresentação: O Regulamento não é um escrito com seqüência uniforme e lógica.89 Embora tenha uma certa estrutura com várias subdivisões, não é um texto orgânico, mas antes uma coleção de assuntos diversificados. Talvez sofreu a influência do texto escrito a pedido do Padre Giovenale, no qual Geraldo inclui notas anteriormente
NOTA
89) O título com o qual aparece na primeira biografia de São Geraldo é: Regulamento de Vida, escrito e composto e por ele praticado, ver Caione 155. Segue-se aqui o texto do Summarium, 311-318.
escritas, como a resolução tomada a 21 de setembro de 1752. A redação atende, pois, ao que o dito padre lhe pediu: "todas as mortificações", junto com "outras aspirações, sentimentos, propósitos e o voto" de fazer sempre o mais perfeito.
A lista de "mortificações" é longa e detalhada. Reflete o espírito penitencial tão próprio da religiosidade do Sul da Itália no século dezoito. Deve-se lembrar, contudo, que, para Geraldo, trata-se de participar da cruz de Cristo e assemelhar-se com seu mistério de salvação universal. Por isso, deve-se ler esta parte em sintonia com o que segue: tanto com as "aspirações" ou desejos espirituais, enfocados na relação amorosa com Deus, como com os "sentimentos" e "reflexões" que acentuam a força e a radicalidade das decisões fundamentais da vida.
Os "propósitos" ou "lembranças" vêm precedidos por um amplo esclarecimento sobre a confiança, posta, não em suas forças, mas na "infinita bondade e misericórdia" de um Deus que não pode falhar em suas promessas. Esta confiança apoia também no "único consolador", o Espírito Santo, e na "segunda protetora", a Virgem Maria. Em seguida, os compromissos mais específicos, expressos quer em atitudes assumidas quer em ações concretas. É difícil encontrar neles uma ordem lógica. Geraldo, que sempre agiu com espontaneidade e livre de esquemas, sabia, contudo, captar o essencial nas pequenas coisas concretas da vida.
As "devoções" mostram sua preocupação especial no louvor da Santíssima Trindade e de Maria Santíssima, e enumera uma grande lista de "santos protetores".
Os "afetos" finais abrem o panorama para o mundo inteiro. Geraldo anseia que todos os seres humanos compreendam a profundidade do amor de Deus e possam se salvar.
***
A graça divina esteja sempre em nossos corações e Maria Santíssima no-la conserve. Amém.
Meu padre,
V. Revma. quer conhecer todas as mortificações que faço, e as quer por escrito, juntamente com outras aspirações, sentimentos, propósitos e a última declaração do voto já feito (de fazer o mais perfeito).
Estou pronto a dar-lhe contas de tudo; não só das coisas exteriores, mas também das interiores, para me unir mais com Deus e me fazer caminhar com mais segurança até minha eterna salvação.
1. Mortificações de cada dia
Uma disciplina. Um cilício, com um palmo e dois dedos a menos de largura com dois palmos de comprimento, para a perna. Um coração de ferro, com pontas também de ferro.
Ao levantar-me e ao deitar faço no chão nove cruzes com a língua. Seis Ave-Marias com o rosto no chão de manhã e à noite.
Ao almoço e ao jantar pôr ervas amargas num dos pratos. Três vezes por dia mastigar losna ou outra erva amarga.
Às quartas, sextas e sábados, e em todas as vigílias (de solenidades), comer de joelhos e abster-se de frutas. Às sextas-feiras tomar só duas porções de manhã e, à noite, uma. Aos sábados, pão e água.
Às quartas, sextas e sábados, dormir com uma corrente no peito e um cilício na perna. Deitar sobre um cilício com um palmo de largura e três de comprimento, que servir-me-á de cinturão nos mesmos dias.
Cada oito dias fazer uma disciplina até derramar sangue.
Em todas as novenas para as festas de Cristo, da Virgem e de outros santos, fazer as mencionadas mortificações, acrescentando cada dia uma flagelação e outras penitências extraordinárias que pedirei licença a V. Revma.
2. Aspirações
Amar muito a Deus.
Estar sempre unido a Deus.
Fazer tudo por Deus.
Amar tudo por Deus.
Conformar-me sempre com a vontade de Deus.
Sofrer muito por Deus.
3. Sentimentos mais vivos do coração
Tenho agora a maravilhosa ventura de tornar-me santo, e, se a desperdiço, perco-a para sempre.
E agora tenho a felicidade de tornar-me santo...
Pois, que me falta para fazer-me santo? Tenho todas as ocasiões favoráveis para ser santo.
Coragem, pois, quero me tornar santo.
Oh! Quão importante é fazer-me santo! Senhor, que loucura a minha!
Far-me-ei santo à custa dos outros e depois me queixo?
Irmão Geraldo, decidas a dar-te totalmente a Deus.
Desde agora sejas mais sensato e penses que não te farás santo estando só em contínua oração e contemplação.
A melhor oração é estar como Deus quer. Permanecer na vontade divina, isto é, em contínuos trabalhos por amor a Deus. É isto que Deus quer de ti.
Não te submetas a teus gostos ou aos do mundo. Basta ter só Deus presente, e estar sempre nele, em tudo o que fazes.
Na verdade, tudo o que se faz unicamente por amor de Deus, tudo é oração.
Alguns se preocupam em fazer isto ou aquilo. Eu só tenho a preocupação de fazer a vontade de Deus.
Nenhum sofrimento é sofrimento, quando a gente o aceita seriamente.
No dia 21 de setembro de 1752, tornei-me mais consciente desta máxima: se tivesse morrido 10 anos atrás, atualmente não procuraria nada, não pretenderia nada.
Quero agir neste mundo como si (somente) fossemos eu e Deus.
Alguns me dizem que eu zombo do mundo. Oh Deus, o que haveria de estranho se eu me risse do mundo. Muito grave seria se eu me risse de Deus!
4. Reflexões
Se me perco, perco a Deus. E que me resta perder, se perco a Deus?
Senhor, fazei que em mim se avive especialmente a fé no Santíssimo Sacramento.
5. Propósitos
Senhor meu Jesus Cristo, estou aqui com papel e pena para escrever e prometer à vossa divina Majestade os propósitos seguintes, que já fiz, e que agora, em razão da santa obediência, de novo os confirmo. Oxalá seja de vosso agrado que, aquilo que estou renovando, possa-o cumprir plenamente. Ah, que não posso fiar-me em minhas forças e,
por isso, me atrevo a prometer. Confio unicamente em vossa imensa bondade e misericórdia, porque sois um Deus infinito e não podeis falhar em vossas promessas.
Eia, pois, bondade infinita, se no passado houve algum não cumprimento, foi por minha culpa. Mas, de agora em diante, quero que vós ajais em mim. Sim, Senhor, fazei que eu os cumpra pontualmente. Porque é certo que de vossa fonte infinita espero tudo. Amém.
6. Exame do meu interior oculto
Escolho o Espírito Santo como único consolador meu e protetor em tudo. Seja meu defensor e vença em todas as minhas lutas. Amém.
E tu, única alegria minha, Imaculada Virgem Maria, (espero que) sejas minha segunda protetora e consoladora em tudo o que me acontecer. E que, a respeito destes meus propósitos, sejas sempre minha única advogada diante de Deus.
Convido também a todos vós, espíritos bem-aventurados, a assistir-me como meus queridos intercessores diante de nosso universal criador. Escrevo tudo isto em vossa presença, a fim de que vós, desde o céu, tendo lido e relido, vos interesseis diante da divina Majestade em ajudar-me a cumpri-los plenamente. Que vossas preces sejam eficazes.
Coragem! Assim obrigo-me e prometo ao Deus Altíssimo e a Maria Santíssima e a todos vós. E que particularmente me assistam Santa Teresa, Santa Maria Madalena de Pazzi, Santa Catarina de Sena e Santa Inês.
Cada quinze dias farei um exame de consciência para saber se faltei em alguma coisa do que escrevi.
Ai de ti, Geraldo, o que fazes? Fiques sabendo que um dia te será jogado na cara este texto. Por isso, penses bem e cumpras tudo.
Mas, quem és tu que me fazes tal censura? Sim, isto é verdade. Porém ignoras que eu não confiei em mim mesmo, nem agora, nem nunca o farei. Conheço bem minhas misérias e, por isso, me espanta confiar em mim mesmo. Se não fosse assim, já teria perdido a cabeça.
Por isso confio e espero somente em Deus, pois em suas mãos tenho colocado toda minha vida, para que Ele faça o que desejar. Estou, pois, na vida, porém sem vida, porque minha vida é Deus.
Confio somente em Deus e somente dele espero auxílio para cumprir verdadeiramente tudo quanto aqui prometo. Vivam Jesus e Maria!
7. Lembranças
1. Meu Deus querido, único amor meu, hoje e para sempre me entrego à vossa divina vontade. Em todas as tentações e tribulações direi: "Que se faça vossa vontade". Aceitarei tudo no íntimo de meu coração e, levantando os olhos até os céus, adorarei vossas mãos divinas que deixam cair sobre mim as pérolas preciosas do vosso divino querer.
2. Senhor meu Jesus Cristo, farei quanto a santa Madre Igreja Católica me ordena.
3. Deus meu, por vosso amor obedecerei a meus superiores como se olhasse e obedecesse vossa divina pessoa. Serei como se já não fosse eu, para identificar-me com o que sois na inteligência e vontade de quem me ordena.
4. Serei muito pobre a respeito dos gostos da minha própria vontade e rico em toda miséria.
5. Entre todas as virtudes que vos agradam, Deus meus, a que mais me agrada é a pureza e a beleza de Deus. Ó infinita pureza, espero que me haveis de livrar do mínimo pensamento impuro, no qual eu, miserável, posso cair neste mundo.
6. Não falarei a não ser sob estas três condições:
- que aquilo que devo dizer seja para a verdadeira glória de Deus;
- para o bem do próximo;
- por alguma necessidade minha.
7. Nos recreios, não tomarei a iniciativa da palavra a não ser quando me perguntarem ou por algumas das condições acima mencionadas.
8. A toda palavra que desejar falar, e da qual não resultar o gosto de Deus, acrescentarei uma jaculatória: "Jesus meu, eu te amo com todo o coração".
9. Nunca falarei nem bem nem mal de mim mesmo, mas agirei como se eu não existisse neste mundo.
10. Jamais me desculparei, ainda que eu tenha toda razão; é suficiente, que naquilo que me falam, não exista ofensa a Deus ou prejuízo para o próximo.
11. Serei inimigo de todo tratamento especial
12. Nunca responderei a quem me repreende, a não ser que seja interrogado.
13. Nunca acusarei ou comentarei os defeitos dos outros, nem sequer por gracejo.
14. Defenderei sempre meu próximo e verei nele a própria pessoa de Jesus Cristo, quando era inocentemente acusado pelos judeus. Farei isto especialmente quando (as pessoas criticadas) estejam ausentes.
15. Corrigirei a qualquer um, mesmo que seja o próprio Padre Reitor mor, quando falar mal do próximo.
16. Esforçar-me-ei por evitar toda ocasião que torne o próximo impaciente.
17. Quando souber de algum defeito de meu próximo procurarei corrigi-lo, não diante dos outros, mas (em particular) entre nós dois, com toda a caridade, e em voz baixa.
18. Quando descobrir que um padre ou irmão necessitam de algo, deixarei tudo para ajudá-lo, a não ser que haja uma ordem contrária.
19. Sempre que me seja permitido, visitarei os enfermos várias vezes ao dia.
20. Não interferirei nos ofícios dos outros, nem sequer para dizer: aquele não fez bem isto, etc.
21. Em todos os ofícios em que me colocarem como ajudante, obedecerei atentamente ao encarregado, sem contestação. Diante de uma ordem não me atreverei em dizer que isto ou aquilo não está bem, que não me agrada. Contudo, em coisas que eu tenha alguma experiência e perceba que não está bem, direi meu parecer, porém sem arvorar-me em mestre.
22. Em todos os casos, nos quais devo trabalhar com os outros, ainda que sejam coisas pequenas e simples como: varrer, carregar objetos, etc., nunca terei por norma ocupar o melhor lugar, o mais cômodo, o instrumento mais apropriado para esse trabalho. Darei o melhor aos outros, contentando-me em Deus com o que me sobrar. Assim, os outros estarão contentes, e eu também.
23. Não me oferecerei por minha conta para algum trabalho ou para outra coisa: aguardarei que me seja mandado.
24. Durante as refeições não ficarei olhando de um lado para outro, mas tão somente para o bem do meu próximo ou em razão do ofício que ocupo.
25. Pegarei o prato que me puserem mais perto, sem escolher. (Nota: o prato continha a porção de alimento para cada confrade).
26. Quando sentir revolta interior, procurarei não explodir imediatamente. Assim farei com quem se zanga comigo ou me acusa. Esperarei que passe o ímpeto da ira, de modo que possa raciocinar com doçura.
27. Decisão definitiva de dar-me totalmente a Deus. Por isso, terei presente estas três palavras: surdo, cego e mudo.
28. Não usarei desta linguagem: quero, não quero; queria, não queria. Somente desejo que em mim, ó Deus, se façam vossos propósitos e não os meus. ("sint Deus vota tua et non vota mea").
29. Para fazer o que Deus quer, não posso fazer o que eu quero. Sim, eu, eu, eu somente quero a Deus. E por Deus não quero Deus; quero o que Deus quer. E se quero somente a Deus, é necessário que me desapegue de tudo o que não é Deus.
30. Não me preocuparei em procurar coisas para minha comodidade.
31. Em todos os momentos de silêncio, dedicar-me-ei em refletir sobre a paixão e morte de Jesus Cristo e sobre as dores de Maria.
32. Minhas contínuas orações, comunhões, etc., oferecidas a Deus juntamente com o precioso sangue de Jesus Cristo, sejam sempre em favor dos pobres pecadores.
33. Quando souber, ou me contarem, que alguma pessoa está sob provação da divina vontade, mas não consegue aceitar o sofrimento e pede ajuda, eu pedirei a Deus por ela: oferecerei tudo o que fizer em três dias seguidos para que obtenha do Senhor a santa uniformidade com o querer divino.
34. Ao receber a bênção do superior, considero-a ter recebido da própria pessoa de Jesus Cristo.
35. Nunca pedirei a sagrada comunhão mais tarde (fora da missa), a não ser por grande necessidade, e a pedirei quando me for permitido comungar, para que esteja sempre bem preparado. Se me for negada, farei uma comunhão espiritual particular no momento em que o sacerdote comunga.
36. A ação de graças vai desde esse momento até o meio dia. E do meio dia até o anoitecer a preparação (para comungar).
37. Prática para a Visita ao Santíssimo Sacramento: Meu Senhor, eu creio que estais no Santíssimo Sacramento e vos adoro com todo meu coração. Nesta visita quero adorar-vos em todos os lugares da terra, onde estais presente de um modo sacramental. Ofereço-vos todo vosso precioso sangue em favor de todos os pobres pecadores, com a intenção de receber-vos, agora, espiritualmente tantas vezes quantos são os lugares em que estais presente.
38. Prática para os atos de amor: Meu Deus, desejo amar-vos com todos os atos de amor que Maria Santíssima fez e todos os espíritos bem-aventurados desde o princípio. E com o amor de todos os fiéis da terra, unido ao amor mesmo de Jesus Cristo ( ao Pai) e a todos os que ama, multiplicando cada vez estes atos. E também a Maria Santíssima.
39. De hoje em diante, tratarei os sacerdotes com todo o respeito possível, como se fossem a mesma pessoa de Jesus Cristo, embora não sejam, e respeitando sua grande dignidade.
 
7. Voto de fazer o mais perfeito
Explicação do conhecido voto de fazer o mais perfeito, isto é, aquilo que me parece o mais perfeito diante dos olhos de Deus. Estende-se a todas as obras (grandes) e pequenas, que deverei praticar com a maior mortificação e perfeição que julgar diante de Deus. Entende-se que deve haver uma permissão geral de V. Revma., a fim de proceder com segurança.
 
Reservas sobre o referido voto:
 
1. Todas as coisas que fizer distraidamente e sem considerá-las, e que seriam contra o voto, não estão sujeitas ao referido voto.
2. Pedir licença não fica incluído nele. Se me encontro fora do convento, posso pedir licença a quem quer que seja, para evitar toda confusão ou escrúpulo, que poderia impedir-me de agir. Posso pedir permissão ao padre confessor para dispensar-me deste voto e ele o pode dispensar todas vezes que quiser.
8. Devoções à Santíssima Trindade
Prometo fazer-vos sempre esta pequena devoção, a saber: oferecer um Glória-ao-Pai cada vez que enxergar cruzes ou imagens de alguma das três divinas pessoas, e cada vez que escutar nomeá-las ou ao iniciar e terminar uma ação.
9. A Maria Santíssima
Farei o mesmo para com Maria Santíssima: cada vez que vejo uma mulher rezarei uma Ave-Maria para sua pureza.
10. Aos santos protetores
São Miguel Arcanjo e todos os espíritos bem-aventurados. São Joaquim, Santana, São João Batista, Santa Isabel, São João Evangelista, o santo do dia, os santos protetores do ano e do mês. O santo do dia de meu nascimento e o santo do dia no qual hei de morrer. São Francisco Xavier, Santa Teresa, Santa Maria Madalena de Pazzi, São Filipe Neri, São Nicola de Bari, São Vicente Ferrer,
Santo Antônio de Pádua, Santo Agostinho, São Bernardo, São Boaventura, Santo Tomás de Aquino, São Francisco de Assis, São Francisco de Sales, São Francisco de Paula, São Félix, capuchinho, São Pascoal, São Vito, São Luís Gonzaga, Santa Maria Madalena, Santa Catarina de Sena, Santa Inês. São Pedro e São Paulo, Santiago e a venerável Madre Maria Crucificada.
11. Antes e depois das refeições
(Dizer) três Glória-ao-Pai à Santíssima Trindade e três Ave-Marias à Maria Santíssima.
Ao partir o pão, em cada pedaço, um Glória-ao-Pai. Ao beber vinho, outro Glória. Uma Ave-Maria ao beber água. E o mesmo, cada vez que soar o relógio.
12. Afetos
Ó Deus meu, oxalá pudesse eu converter tantos pecadores quantos são os grãos de areia do mar e da terra, as folhas das árvores e dos campos, quanto são as partículas do ar, estrelas do céu, raios do sol e da lua e criaturas todas da terra.
Ao levantar-me e ao deitar-me, farei os atos acostumados de ação de graças da comunidade.
À tarde e pela manhã, antes da comunhão, da primeira refeição e das vésperas, farei o exame de consciência com o ato de arrependimento.
Vivam Jesus e Maria, (e os santos) Miguel e Teresa, Maria Madalena de Pazzi e Luís. Amém.
ÍNDICE
I. INTRODUÇÃO
1. As cartas
1.1 - Os destinatários
1.2 - Conteúdos fundamentais
2. O regulamento de vida
II. AS CARTAS
1. Carta à Madre Maria de Jesus90 (1)
2. Carta à Madre Maria de Jesus91 (1)
3. Carta à Madre Maria de Jesus92 (1)
4. Carta à Madre Maria de Jesus93
5. À Madre Maria de Jesus94
6. Carta à Madre Maria de Jesus95 (1)
7. Carta à Madre Maria de Jesus96 (1)
8. Carta ao padre João Mazzini97
9. Carta a Santo Afonso98
10. Carta à Madre Maria de Jesus99
11. Carta à Madre Maria de Jesus100
12. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier
13. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier101
14. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier102
15. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier103
16. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier104
17. Carta ao padre Francisco Margotta105
18. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier106
19 - Carta a uma religiosa
20. Carta à Ir. Maria de Jesus107
21. Carta à Ir. Batista da Santíssima Trindade108
22. Carta à Ir. Batista da Santíssima Trindade109
23. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo110
24. Carta à Ir. Maria de Jesus111
25. Carta à Ir. Maria de Jesus112
26. Carta a uma religiosa113
27. Carta ao Pe. Caetano Santorelli114
28. Carta ao Pe. Francisco Garzilli115
29. Carta à Ir. Maria de Jesus116
30. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo117
31. Carta à Ir. Maria de Jesus118
32. Carta à Madre Micaela de São Francisco Xavier119
33. Carta à Ir. Maria de Jesus120
34. Carta à Ir. Maria Celeste do Espírito Santo121
35. Carta a uma religiosa122
36. Carta à Ir. Maria de Jesus123
37. Carta à Madre Maria Celeste do Santíssimo Salvador124
38. Carta ao Pe. Celestino De Robertis125
39. Carta ao Pe. Celestino De Robertis126
40. Carta a Jerônimo Santorelli127
41. Carta a um senhor128
42. Carta a um senhor129
43. Carta ao Pe. Gaspar Caione130
44. Carta a Isabel Salvatore131
45. Fragmentos de cartas
III. REGULAMENTO DE VIDA
1. Mortificações de cada dia
2. Aspirações
3. Sentimentos mais vivos do coração
4. Reflexões
5. Propósitos
6. Exame do meu interior oculto
7. Lembranças
7. Voto de fazer o mais perfeito
8. Devoções à Santíssima Trindade
9. A Maria Santíssima
10. Aos santos protetores
11. Antes e depois das refeições
12. Afetos

NOTAS

90) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 297-299.
91) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 299-300
92) Tannóia, Vita 90-91.
93) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 300-301
94) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 301-303
95) Caione 74-76; Tannóia, Vita 100-103.
96) Tannóia, Vita 93
97) Ao Pe. Consultor P. D. Giovanni Mazzini do Ss. Redentor. Summarium, 310-311.
98) Al Nostro M. Rev. Rettore Maggiore il O. D. Alfonso di Liguori del Ss. Redentore, Materdomini, Arquivo do Santuário.
99) Summarium, 295-296; SH, 8 (1960) 202 (fragmento)
100) Summarium, 289-290
101) Roma, Arquivo da Postulação Geral da C.Ss.R.; Summarium, 307-308
102) Tannóia, Vita 94.
103) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 293-294; SH, 8 (1960) 204 (fragmento)
104) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 293-294: SH, 8, (1960), 204 (fragmento).
105) Tannóia, Vita 94-95.
106) Ibidem, 96-100
107) Summarium, 306-307
108) Summarium, 296-297; SH, 8 (1960), 204 (fragmento)
109) Tannóia, Vita 92
110) Tannóia, Vita 139-142
111) Summarium, 309
112) Tannóia, Vita 91
113) Tannóia, Vita 142
114) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 294-295
115) Tannóia, Vita 143.
116) Summarium, 319-320
117) Summarium, 310.
118) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 303-304; SH, 8 (1960) 204 (fragmento)

119) Materdomini, Arquivo do Santuário

120) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 305-306
121) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 304-305
122) Tannóia, Vita 92.
123) Summarium, 320
124) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 288-289
125) Gars am Inn, Arquivo Provincial
126) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 297
127) Materdomini, Arquivo do Santuário; Summarium, 292-293; Tannóia, 137-138.
128) Tannóia, Vita 138
129) Tannóia, Vita 139
130) SH, 8 (1960), 197; Caione 122-123; Tannóia, Vita 170 (fragmento)

131) Caione, Vita 138-139

Pe. Flávio Cavalca de Castro, Redentorista

flcastro@redemptor.com.br