Memórias...

 

Grato, Luciano. recebi o anexo agora. E li imediatamente, saboreando as lembranças tão bem contadas do João Victor 

Não fiz parte do grupo de vocês. Era dos mais novos. Mas me lembro bem do João Victor: a barba cerrada, a cara de sério e a delicadeza e sensibilidade de poucos. Lembro dele na tuba da banda… Era muito atencioso com os novatos, coisa rara, porque éramos de certa forma esnobados pelos barbados.. rsrs. No seminário de Três Pontas ( vcs foram do de Sta Rita) havia a divisão entre maiores, médios e menores. Acho que vem daí a exclusão que eu sentia (e ainda sinto hoje) como um prejuízo irreparável. Um prejuízo porque não tinha como circular e participar com vcs de tantas coisas bacanas. A descrição do João Victor dos passeios à Casa de Campo, da subida da Serra do Ouro Branco, do dia 31 de março de 1964, do viveiro que era cuidado (???) pelo PIG… eu me lembro de tudo isso lateral e esparsamente. Não participava. Era um espectador .. assim como fui do Cavalinho Azul. Aquela cena do Ivan coçando o capacete, acho que me lembro..

Assim como vc, Luciano, o João Victor é praticamente um padre. Prova de que é possível conviver com muito proveito inteligência e fé! Tantas vezes duvidei disso …

 Acho muito bacana encontrar vcs agora, ainda como espectador de suas aventuras e façanhas seminarescas. rsrs

Não segui religioso, como vocês, mas também não cheguei à heresia sagrada e inteligente (que tanto aprecio) do PIG.

O mais importante é constatarmos que do seminário só saiu gente interessante.

Que apareçam mais… Depois dos 60, a memória é um lugar muito mais aprazível e gratificante de se frequentar.

Abração

 

Luiz Carlos Assis Iasbeck
Professor e Pesquisador em Comunicação Social
Universidade Católica de Brasília

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Amigo Luciano, Há bastante tempo tenho recebido suas mensagens e fotos. Há bastante tempo ensaio um retorno, mas só agora crio coragem.

Nos últimos dias, decorrente do que você tem me mandado, incluídas as manifestações
e depoimentos de nossos ex pares, voltei um pouco ao passado.

Como tudo isto tem-me feito bem! Sobretudo pelas recordações. Algumas bastante
nostálgicas, mas que não me fazem tanto mal, por isso as relevo. A maioria, porém, de momentos muito salutares, felizes e proveitosos.

Afinal de contas, seminário foi a artéria dos traços e rumos de minha vida. Onde estaria
eu hoje sem ele? Nos cafezais de Santana da Vargem? Que percepção e entendimento de Mundo?

Não tenho como esquecer Moisés, Edson, Márcio, Geraldo Lima, Walter, Grossi, José
Geraldo, João Vicente, Paulo Afonso, Amaral, Antunes, Atayde, Vitorino, Alberto Lima, Fritz, Raimundo, João Fagundes, Lara, Jaime e alguns outros que nem mais me lembro. Meus grandes mestres.

Eternamente grato ao Dalton, meu grande formador. Inesquecíveis as suas aulas de português, de latim; as peças de teatro; as aulas de arte, os grupos de educação física,
os esportes; o Júlia Pardini e o Teatro Universitário de BH no SãoClemente; os passeios culturais a BH (O Santo e a Porca); as suas palestras tão lúcidas e tão sábias.

Como esquecera bandinha do Atayde, que me deu a tuba (você tem que fazer desta tuba como se fosse um violoncelo!)...os ensaios após o jantar...

Muitos, muitos fatos... as missas solenes na Basílica do Bom Jesus...o gregoriano do
Arimar... os "cigarros" na boca dos profetas (com a maior reprimenda de turista alemão)... o grupo coral (que levou a maior bronca de Dom Oscar em Lafaiete, pela missa cantada em português)... a disputa pela contagem de dinheiro do Jubileu (só os miudos, pois os grandes eram dos padres)... o cargo privilegiado de sacristão, quando sempre havia uma sobrinha de vinho à noite (Fabiano bemsabe)... o chuveiro de águas geladas das Congonhas... as cachoeiras... as peladas nos campos da chacrinha... as caminhadas da cidade à casa de campo...

Casa de campo, de muitas memórias! Dali ainda me lembro dos elogios de Alberto Lima
pela minha iniciativa da pintura de suas varandas... do Arinos (que nunca mais vi) polindo placas de marmorite... das farras na piscina de cimento (sempre um joelho esfolado)... da travessia aventureira da garganta do ribeirão local... da visita a grutas inexploradas... do passeio de trem a Ouro Preto... do campo de moita (onde ganhei meu nobre apelido de Compadre)...

Apelidos? Quantos..! Pato, Sô Padre (que se promoveu a Sô Cônego), Itambé, Caixinha,
Cotia, Campista, Rê Rê, Cambuí, Limão, Urubu, Munguzá, Veio (eram dois?)...

Serra de Ouro Branco... de dois fatos inesquecíveis: - uma noite de escuridão, tortura e
maluquice, sob insuportável neblina, com todos saltitando na madrugada, pelo frio, pelos cobertores molhados, pela fogueira apagada, até que amanhecesse o dia - e, em outra subida (31 de março de 1964), a intercepção e a ordem militar de retorno imediato, pelo início de uma revolução no país (a serra era ponto estratégico das telecomunicações brasileiras à época). Que bom que vocês continuam curtindo aquela serra; vi todas as suas fotos!

Não há como falar de todos os ex colegas, pois foi uma multidão (chegamos a mais cem
no juvenato) e, com cada um, uma história peculiar. Minha turma chegou a 42 no juniorato (1961) e fui o último a sair, já na Floresta.

Certamente que a opção de quase todos nós, pelo seminário, era sempre a mesma, qual seja, o desejo de família. Não tínhamos consciência plena dos fatos, muito menos
convicção. Daí, passei por momentos muito marcantes, alguns muito cruciais. A ida para Santa Rita (1959) ainda menino, de um dia para o outro, foi um corte traumático do cordão umbilical familiar. A morte de minha mãe (1961), sem vê-la morta (não existiam telefones) doeu demais. O "enclausuramento" dos 13 aos 20 anos exigiu-me uma luta de Davi à adaptação a um mundo muito diferente dos meus dias de infância.  Passava-se o tempo e, gradativamente, aumentava-me a angústia de um futuro incógnito. Fatos me marcavam, como, por exemplo, o desligamento periódico e surpreendente dos nossos colegas (comiam farinha). Eu mesmo, em algumas ocasiões, ajudei a carregar as malas de alguns
até a estação do trem em Congonhas.

Mas marcante e assustador mesmo foi a crise por que passou a província após o Vaticano II. Quando chegamos à Floresta, eu já quase sozinho da minha turma, uma das primeiras notícias abalou-nos de vez: o desligamento de nossos dois superiores de Congonhas, em quem tanto confiávamos. Ainda mais, a emocionante despedida do genial Fritz, em uma noite que me tornou sombria e inesquecível.

A esta altura, já não era mais um Davi em combate, mas um Dom Quixote contra moinhos
de vento (a incerteza do que estaria por vir). Deu-me as mãos Pe. Jaime, com elas, o sopro da coragem pela decisão. A ele, tenho muito a agradecer.

Caí no mundo em total despreparo à "concorrência" que este novo mundo exigia. Tinha
duas opções: me revoltar e apagar de vez o cenário que muito me angustiou, como alguns tentam fazer até hoje, ou sublimar os bons princípios e ensinamentos adquiridos e engendrados em tempos de clausura.

Mesmo sozinho, não foi difícil discernir. A revolta e a recusa nada mais seriam que
retrocesso; certamente uma vã tentativa de se apagar o que se não se apaga, a marca indelével impregnada em alma e mente. Era fundamental, questão de sobrevivência, seguir em frente... e venci.

           Suas mensagens, caro Dutra, me levam à recordação da vida...bem vivida... e de muito proveito. Convivo hoje com os sacramentinos da igreja da Boa Viagem-BH (santuário de adoração perpétua laica) colaborando da maneira que podemos e pelo tempo que dispomos (escrevendo livro, matérias de jornal, canto litúrgico, obras sociais, aulas pastoriais...). Mas tudo que hoje faço se calca na pedra angular afonsiana e no sólido alicerce redentorista.
Impossível esquecer o legado deixado pelos mestres seguidores do grande Santo Ligório. E nisto, você, Luciano, se tornou um referencial para todos nós.

Agradeço seu novo texto; reservarei um tempo especial para apreciá-lo.

 

***

Li e reli os depoimentos do Geraldo Pignaton, o Pig dos nossos tempos. Dele me lembro
bem. Muito alegre, comunicativo e realmente cheio de histórias; um doidão, como  o chamávamos. Não foram apenas abelhas e cangambás. Quiseram matar, uma vez, um gato para comer a carne. Bicho de sete vidas, deram até álcool para o coitado, mas a carne ninguém comeu, pois era álcool puro. Pig estava no meio... Era ele o responsável pelo viveiro de pássaros no centro de um dos pátios, perto da pitangueira. Em suas caçadas pelos bichinhos, conseguiu capturar um casal de filhotes de gavião, que foram
batizados com os nomes de Nabuco e Donosora. Eram tratados com a maior mordomia: espaço limpo, água fresca e muita fruta... Até que um dia, o casalzinho descobriu que o negócio deles não eram as frutinhas... e o viveiro do Pig amanheceu cheio de penas dos coleguinhas de cela.

Nunca mais tive notícias do Pig. Agora ele veio à tona. Confesso-me admirado (e o
cumprimento) pela fertilidade cultural que manifestou, mas confesso-me também um
tanto assustado por algumas de suas colocações bastante exacerbadas. Entendo as
suas razões e as respeito profundamente; razões tais todos nós temos, possivelmente
até mais radicais. Porém, há de se zelar pela forma de sua manifestação. Fiquei triste pela sua franqueza sobre o Dalton, pessoa a quem muito prezo, admiro e respeito. Franqueza assim tão explícita e tão radical pode machucar muito. 

Também, caro Luciano, assisti ao pequeno tape do depoimento de José Mayer para o
"Grandes Atores". Convivi com ele bastante, a ponto de frequentar a casa de seus pais, àquela época muito próxima dos passos de Congonhas; lembro-me de todos os seus familiares. Inteligente e talentoso, já no Juniorato Santo Afonso, começou a estudar piano (prerrogativa dos mais inteligentes). Mas foi pelo teatro que ficaram as melhores lembranças. Ainda no Juniorato (1961) com algum arremedo de peça, de iniciativa dos próprios seminaristas (Luiz Chinelato, Mayer, Ivan, nossa figura e outros de quem não me lembro). O maior sucesso foi na casa de campo, quando, no momento mais importante da apresentação, todos nós esquecemos o texto. Foi a maior piada; o público não parava de rir... e os atores também.

Mas, no São Clemente, é que Mayer se deslanchou. Em "Dó de Peito", lembro-me ainda de alguns: Pitol, Ivan (grande artista), Tácito, José Carlos Carvalho (Ibitiura), Eustáquio Cordeiro, além do Mayer (eu era o Catilina).  Porém, sucesso mesmo, foi o infantil
"Cavalinho Azul" (Ivan no violino, Ibitiura no piston e eu na clarineta formávamos o trio de
bandidos disfarçados em músicos, interessados em sequestrar o menino Mayer).
Inesquecível a cena em que José Márcio, um soldado à caça dos bandidos, querendo
coçar a cabeça, coçou o capacete. Dalton era o diretor; super exigente; pegava pesado. Uma das cenas do Mayer foi repetida dezenas de vezes; o rapaz até chorou. Mas foi a chance de mostrar seus reais talentos. Fomos prestigiados até pelo Teatro Universitário de BH, que foi ao S. Clemente apresentar peças de Gil Vicente... e acabou levando embora o José Mayer.

Quanto a sua postura no vídeo, concordo com Flaviano (um fingimento não convicente), e com o Kallás, meu ex colega de sala (junto com Vanderley, J.C. Priamo...) (sincera, mas não verdadeira, fruto da necessidade de cultivar sua imagem pública, num universo de preconceitos). Já ouvira depoimento seu mais sincero e mais coerente. Mas concluo que ele está perfeitamente sintonizado com o que diz Émile Durkheim: vivemos sobre um palco, representando a vida não da forma que gostaríamos e quereríamos viver. Somos realmente hipócritas ao representar a vida da forma que a sociedade quer e requer.

Apareceu também o Yasbeck... há quantos anos!

Fraternos abraços. 

João Victor